Erro

Precisamos falar sobre o suicídio

Postado por Lucas Henrique Ferreira Alves em 03/09/2022 11:50


Setembro é o mês da prevenção ao suicídio. Com a chegada deste mês, ouvimos com uma frequência maior sobre este assunto, tão temido e silenciado, mas que nunca deve deixar de ser dito. Falar, esclarecer, perguntar sobre suicídio não aumenta nas pessoas o desejo de cometer tal ato. Portanto, podemos e precisamos falar abertamente sobre suicídio. 

O suicídio é um fenômeno complexo, cheio de tabus e que pode afetar diferentes grupos de pessoas. É um gesto de destruição, expressão máxima do desejo de morrer ou de dar fim à vida. Segundo a OMS, cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos. Cada suicídio ocorrido gera grande impacto nas pessoas ao redor, podendo gerar danos difíceis de reparar. 

Os fatores de risco relacionados ao suicídio envolvem múltiplas dimensões: características sociodemográficas, fatores genéticos, dinâmica familiar, histórico familiar, fatores pessoais, psicopatologias, traumas, abusos, estresse, conflitos inconscientes e características de personalidade. Por isso, é um grande erro pensar no suicídio como resultado de um único fator específico, já que se trata de um fenômeno muito complicado. 

Todavia, além dos fatores de risco, estudos recentes sugerem que existem fatores de proteção ao suicídio. Ou seja, existem elementos da vida de um sujeito que diminuiriam as chances de ele vir a cometer tal ato. Alguns destes fatores de proteção que posso destacar e que são relatados por Neury José Botega são: laços sociais bem estabelecidos; crenças religiosas; práticas sociais coletivas; crianças pequenas em casa; pais atenciosos e consistentes; disponibilidade de serviços de saúde mental; boas relações e suporte familiar; capacidade de solucionar problemas, entre outros. 

Talvez a primeira medida preventiva ao suicídio seja a educação. É preciso, como já enfatizei, deixar de ter medo de falar sobre o assunto, apontar os mitos relacionados ao tema, quebrar os tabus e compartilhar informações verídicas. Ademais, a prevenção ao suicídio passa por fatores individuais, sistemáticos e sociais. O setembro amarelo é uma campanha nacional de prevenção ao suicídio que certamente salva a vida muitas pessoas, mas, para além dessa campanha, é necessário um olhar atento ao acesso a serviços de saúde, alimentação, educação, moradia e outras condições sociais básicas para obter melhoria na saúde mental. 

Se você conhece uma pessoa que está com ideações suicidas ou em uma crise suicida, saiba que ela precisa de ajuda e acompanhamento. Da sua parte, você pode ajudar ouvindo, acolhendo, ajudando, sendo um “ombro amigo”. Mas a responsabilidade não deve recair completamente sobre você. É importante recomendar, orientar e mostrar a pessoa que ela pode se beneficiar de um acompanhamento profissional. A clínica psicanalítica demonstra grandes resultados no manejo e tratamento de pacientes com crise suicida.  

A psicanálise entende o suicídio como uma manifestação humana, um recurso diante do momento em que a vida se torna insuportável para o sujeito, o encontro com uma angústia insustentável. A morte é, para o sujeito, uma forma de findar essa angústia (Pereira, 2020). Dentro desse sujeito, entretanto, também há um apelo pela vida. Um pedido por socorro, um grito que quer ser expresso (Freitas, 2015). 

Ao longo de sua obra, Freud traz considerações interessantes sobre o suicídio. A que destaco, neste escrito, é uma concepção um pouco diferenciada mas que certamente faz sentido para muitos sujeitos. No texto “Luto e Melancolia” (1917), Freud traz a ideia de que é difícil conceber o suicídio como uma destruição direta ao próprio ego pelo fato de que o amor do ego por si mesmo é muito imenso. Nesse caso, o ego não poderia consentir a sua própria destruição. Podemos pensar nisso no sentido de que o ego não destruiria a si mesmo, mas talvez apenas a angústia infindável que carrega consigo, o sofrimento, a dor. Por isso o suicida não quer, no geral, destruir a si mesmo, apenas extirpar a dor. 

Na obra mencionada de Freud, ele traz outro pensamento acerca do suicídio. Segundo o autor, os impulsos suicidas do neurótico consistem em impulsos assassinos contra outros objetos, que ele voltou para si mesmo. Isto é, o sujeito direciona a si mesmo uma hostilidade que está relacionada a um outro objeto. Percebemos isso claramente em casos de traumas e abusos. O sujeito toma para si a culpa e direciona para si mesmo uma hostilidade que originalmente está destinada ao agressor. 

De todo modo, o psicanalista não deve excluir a dimensão social e multisetorial que perpassa o suicídio. No entanto, é na dimensão privada da vida do sujeito que consistirá, na análise, a busca pela melhora do paciente. O psicanalista buscará encontrar as angústias e os conflitos por meio da fala, fazendo com que os conteúdos reprimidos possam ser esclarecidos e ressignificados (Freitas, 2015). 

Segundo a OMS, mais de 90% dos casos de suicídio podem ser prevenidos. Os profissionais da saúde mental estarão à disposição para ouvir, acolher e ajudar o sujeito a encontrar novas possibilidades existenciais e novas formas de lidar com seu sofrimento. O importante é lembrar que a pessoa nessa situação, não está sozinha. 

 

Referências: 

Botega, J.N. - fatores de risco e de proteção

Cartilha CVV - Falando abertamento sobre o suicídio

Cartillha do ministério da saúde - Suicídio, saber, agir e prevenir

Cartilha Unimed - Setembro amarelo, mitos, fatores de risco e de proteção

Freitas, G - A morte pode esperar? Clínica psicanalítica do sucídio (2015)

Freud, S - Luto e Melancolia (1917)

Pereira, D - Ideação suicida: manejo na clínica psicanalítica (2020)

Lucas Henrique Ferreira Alves - CRP-04/67750

Instagram: @psi_lucashfalves






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