Postado por Samara Bezerra da Silva em 01/06/2025 23:00
Vivemos em um tempo onde tudo é rápido, mensurável, produtivo. Somos cobrados por respostas, eficiência e desempenho — inclusive emocional. Mas há um espaço onde não é preciso saber de antemão o que se sente, nem dar conta de tudo o tempo todo. Esse espaço se chama psicanálise.
A escuta psicanalítica: mais do que tratar sintomas
Ao contrário do que muitos pensam, a psicanálise não é um tratamento para “consertar” pessoas. Não se trata de oferecer conselhos, nem de ajustar comportamentos. A psicanálise se propõe a algo mais profundo: escutar o sujeito para que ele possa se escutar.
Como escreveu Freud, “as palavras eram originalmente encantamentos mágicos e ainda conservam muito do seu poder antigo” (Freud, 1915). A fala, na psicanálise, é o caminho para que o sujeito acesse seu inconsciente, aquilo que ele mesmo desconhece sobre si. E é justamente nesse ponto que a transformação pode acontecer.
Falar sobre o que não se sabe que se sabe
Você pode chegar ao consultório dizendo que está tudo bem — e ainda assim, repetir um sofrimento. Ou então, se surpreender com algo que diz, algo que escapou. A psicanálise não exige que se saiba o que está sentindo. Pelo contrário: ela permite que o sentido se construa na própria fala.
Como disse Jacques Lacan, “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” (Lacan, 1957). Isso quer dizer que nossos sintomas, nossos impasses e repetições têm algo a dizer. E só escutando aquilo que se diz — mesmo quando não se quer dizer — é que se pode avançar.
Um espaço onde o tempo é outro
A psicanálise caminha na contramão da pressa. Ela não busca atalhos nem respostas prontas. É um trabalho que se faz ao longo do tempo, com ética e escuta, respeitando a singularidade de cada um. O sofrimento não é tratado como algo a ser eliminado rapidamente, mas como algo que faz parte de uma história, de uma estrutura, de um desejo.
Não se trata de normatizar, de adaptar o sujeito ao mundo, mas de dar lugar à sua verdade, ainda que ela seja desconfortável. E nessa aposta, está a possibilidade de uma vida mais autêntica.
Por que fazer terapia?
Porque há algo em você que insiste. Porque há perguntas que retornam, mesmo quando você tenta silenciá-las. Porque talvez você nunca tenha tido a chance de ser verdadeiramente escutado.
A terapia psicanalítica não oferece soluções mágicas — ela oferece um lugar de fala e escuta, onde o que se repete pode finalmente encontrar outro destino.
Nas palavras de Contardo Calligaris:
“Fazer análise é apostar que a própria vida pode se tornar mais interessante” (Calligaris, 2009).
E talvez isso já seja motivo suficiente.
REFERÊNCIAS:
FREUD, Sigmund. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912). Obras completas de Sigmund Freud: volume XII (1911-1913). Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, Sigmund. A repressão (1915). Obras completas de Sigmund Freud: volume XIV (1914-1916). Rio de Janeiro: Imago, 1996.
LACAN, Jacques. A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957). Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
CALLIGARIS, Contardo. Cartas a um jovem terapeuta. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.