Erro

Gratidão não é dívida

Postado por Carlos Alberto Ferreira de Moraes Neto em 03/01/2024 15:04


Certo dia, escutei de um antigo amigo essa frase que me capturou de uma maneira tão forte que não consegui parar de pensar sobre. Ele ressaltou que, frequentemente, vivemos numa cultura construída na e a partir da exploração do outro e da lógica comercial, seja em nível macroestrutural da sociedade ou no íntimo das relações pessoais.

Somos levados não somente a pensar, mas também a criar, conduzir e replicar comportamentos, posições e dinâmicas que reforçam essa exploração. O outro com quem coexistimos, sejam as instituições e, sobretudo, as pessoas, são colocados em um local de usabilidade e dever de retribuição bastante perigoso, semelhante à compra de um objeto com valor a ser cobrado e pago para quem deseja usá-lo para seu próprio bem.

Gestos de afeto e demonstrações de cuidado são compreendidos como uma negociação, quando não como uma despesa indevida que deve ser cobrada. A partir disso, o "afetado" é posto e transformado em "devedor" e recebe o dever de retribuir na mesma moeda, quando não mais que isso, a grande gratificação recebida.

O que era para ser um gesto de carinho e cumplicidade é transformado em um credor e um inadimplente carregado de dívidas e culpa. No entanto, é essencial questionarmos essa lógica e enxergarmos o grande mercado da vida como ele realmente é: um espaço de trocas. Não devemos encará-lo como um eterno empréstimo de afetos, no qual o reconhecimento afetivo seja somente mais uma possibilidade de troca e não algo a ser pago, afinal, gratidão não é dívida.

Portanto, é crucial reconhecermos a importância de cultivar relações genuínas, baseadas na reciprocidade voluntária, onde a expressão de afeto não seja percebida como um contrato, mas como um vínculo humano que vai além de obrigações e débitos emocionais. Essa mudança de perspectiva pode promover uma sociedade mais empática, onde a conexão entre as pessoas seja guiada pela compreensão mútua e pelo respeito, em vez de ser moldada por uma mentalidade transacional que desumaniza as interações. É um convite para redefinirmos as bases de nossas relações, criando espaços de autenticidade e cuidado mútuo, onde a verdadeira essência do compartilhar e do receber se destaque, livre de contas emocionais. Em última análise, é a oportunidade de construir uma cultura que celebre a riqueza das conexões humanas sem estar sob a sombra de uma contabilidade emocional implacável.






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