Erro

É preciso uma aldeia para criar uma criança

Postado por Carlos Alberto Ferreira de Moraes Neto em 30/05/2025 19:27


É fundamental pensar o papel da família no desenvolvimento humano para além dos modelos normativos e idealizados que ainda sustentam muito do imaginário social. A família não é apenas a configuração tradicional de pai, mãe e filhos — é, antes de tudo, um espaço de formação subjetiva, de trocas afetivas e de construção do sentimento de pertencimento.

Desde a infância, o ambiente familiar exerce influência direta e profunda na forma como aprendemos a nos relacionar com o mundo, com os outros e conosco. É nesse primeiro espaço que internalizamos nossas noções de afeto, cuidado, segurança e valor próprio. Quando essas experiências são minimamente estáveis e acolhedoras, tendem a favorecer a construção de uma base emocional mais segura, abrindo espaço para o crescimento, a experimentação e o desenvolvimento da autonomia.

No entanto, quando a família se apresenta como um lugar instável, negligente ou emocionalmente ausente, os efeitos tendem a se prolongar para além da infância. Crianças e adolescentes que crescem em contextos frágeis ou disfuncionais, sem apoio emocional consistente, frequentemente enfrentam dificuldades para desenvolver autoestima sólida, autonomia emocional e a capacidade de estabelecer vínculos saudáveis. Essas marcas emocionais, muitas vezes silenciosas, reverberam na vida adulta: insegurança, medo da rejeição, dificuldade em confiar, medo de se expressar e até uma constante sensação de inadequação podem ser rastros de ausências afetivas precoces.

É importante lembrar que a ausência nem sempre é física. Em muitos casos, pais e mães estiveram presentes no cotidiano, mas emocionalmente indisponíveis, rígidos, indiferentes ou sobrecarregados demais para oferecer um vínculo real. Esse tipo de ausência também fere, silencia e molda formas de existência pautadas pela defesa, pelo receio e pela autoanulação.

Ainda que a sociedade insista em idealizar a “família tradicional” como a única estrutura saudável possível, precisamos repensar essa ideia. O que de fato importa é a existência de relações afetivas pautadas no cuidado, no respeito mútuo, na escuta e na validação emocional. Famílias afetivas não se sustentam apenas por laços biológicos ou por papéis pré-estabelecidos — elas se constroem na prática cotidiana de acolher, apoiar, escutar, errar junto e seguir disponível.

Ampliar o olhar sobre o que é família também é reconhecer que outras formas de vínculo podem exercer esse papel estruturante. Avós, tios, madrinhas, vizinhos, professores, amigos próximos e até comunidades inteiras podem formar redes de afeto potentes e protetoras. Em muitos casos, é fora da família nuclear que indivíduos encontram os primeiros espaços onde se sentem vistos, escutados e respeitados. Essas redes, embora muitas vezes invisibilizadas, são fundamentais para o desenvolvimento emocional e psíquico.

Falar sobre família é, portanto, falar sobre cuidado, presença e afeto — e não sobre fórmulas prontas. Repensar o que entendemos por família nos ajuda a desidealizar estruturas que nem sempre acolhem e a valorizar os vínculos que realmente sustentam a vida. Isso não significa negar a importância da família, mas sim ampliar o entendimento sobre quais formas de relação nos ajudam a florescer e a existir de maneira mais íntegra.

Construir espaços afetivos mais saudáveis, seguros e inclusivos é um desafio coletivo — e começa por reconhecermos que todo sujeito merece ser cuidado com dignidade, atenção e respeito, independentemente do arranjo familiar em que cresceu. É na possibilidade de reinventar os afetos que abrimos caminhos para curar feridas antigas, reescrever histórias e dar novos sentidos à existência.

 

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Carlos - Moraes
Psicólogo Clínica - CRP 02/27351

 






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