Postado por Janete de Paiva Borges em 22/04/2024 19:55
“Segue o teu destino, rega as tuas plantas, ama as tuas rosas. O resto é a sombra de árvores alheias.” Fernando Pessoa
O marketing sobre “gerenciamento do tempo” há muito está na moda: treinamentos sobre como aumentar a produtividade no trabalho, estar em boa forma física, cultivar pensamentos “positivos”, ter uma família modelo, enfim, ser bem sucedido em tudo, ao mesmo tempo. Tive a oportunidade de ler, tempos atrás, pedidos de ajuda endereçados a um mentor de um desses treinamentos: queriam respostas sobre como fazer para realizarem as centenas de coisas que julgavam ter de fazer nas 24 horas diárias que a natureza lhes disponibilizou. Além dos pedidos, queixas do tipo: “As oito horas do meu dia nunca são suficientes e estou sempre com a sensação de que fiquei devendo algo. Tem jeito para mim?”
Em outra situação, inacreditavelmente, cheguei a ler dicas sobre dietas e como dormir menos com o objetivo de ganhar tempo para produzir mais! Tais concepções inescrupulosas e mercadológicas são veiculadas com o propósito básico de vender irrealizáveis e absurdas promessas e atraem muitos à espera de soluções mágicas para seus dilemas cotidianos. Além do mais, escondem alguns fatos óbvios, como, por exemplo, os de que não somos máquinas, de que somos diferentes uns dos outros, e que não há artimanha possível que controle a dinamicidade da vida. Estas especificidades incontornáveis parecem ser, proposital e curiosamente, desconsideradas. Em seu lugar, esquemas desenvolvidos sob a égide de instituições e mentores de renome, veiculados por uma linguagem tautológica, excessivamente efusiva, apregoam ser possível tirar “leite de pedra”, ou seja, garantem que se você se esforçar o suficiente, será capaz de realizar o irrealizável em suas 24 horas diárias
Esse movimento “moderno” de gerenciar o que não se pode controlar evidencia uma intrigante dificuldade humana de aceitar e se entregar à ordem natural da existência. Não ser capaz de conseguir ser três em um, com foco, autoestima e disciplina, e ainda por cima sem nunca apresentar vestígios de ansiedade, medo ou estresse, passa a ser visto como um transtorno, síndrome ou demérito.Dentro deste esquema, os “ineficientes” passam a considerar-se incompetentes e a investir nessas promessas: as mesmas que, compradas, contribuem para que os “homens da motivação” enriqueçam-se ainda mais e figurem como verdadeiros exemplos de sucesso a serem copiados. Vendem-se dicas “científicas” de como devemos agir para não “fracassarmos” e somos transformados em robôs que vivem para atingir metas. O uso de emoções é “permitido” como uma espécie de adorno, em ocasiões específicas, desde que não comprometa os resultados previstos (é recomendado veementemente, por exemplo, não pensar em questões afetivas e “pessoais” no trabalho e vice-versa, como se fosse possível programar-se para deixar de ser humano por um tempo previamente determinado).
Desta forma, muitos chegam à psicoterapia com a sensação de total inadequação. Sentem-se à parte desse esquema, mas, devido a tanta pressão, acabam por julgar que há algo de errado com eles. Buscam, então, fazer parte do “time dos vencedores” para não ficarem “de fora”, mesmo amargando a frustração de não viverem do modo com o qual realmente se identificam. As vantagens e necessidades de se ser mais organizado quando o objetivo é trabalhar melhor e realizar sonhos são indiscutíveis. Nada de errado quanto a isso. A questão que leva muitos a procurarem a terapia e que denota o sofrimento que denunciamos é a sensação constante de falta, menos valia e desconforto vivenciada por aqueles que tentam, a todo custo, se adequar à falsa imagem, vendida permanentemente na mídia, de que se pode ser um super-homem ou uma super mulher sem nenhum resquício de sofrimento ou desgaste. E de que fama e dinheiro são os indicativos precípuos do sucesso e do valor de uma pessoa.
É necessário aceitar o fato de que nem tudo que se planeja para o espaço de uma vida será passível de ser realizado. E não há sentido em se cobrar fazer tudo o que o outro faz ou copiar seu estilo de vida, se já se é feliz com o próprio jeito de ser e viver. A preocupação exacerbada de alguns em sentirem-se apreciados pelo que aparentam se torna, por vezes, uma obsessão desmedida: ao priorizarem a aprovação alheia e as imposições do sistema a despeito das próprias convicções, deixam de lado o movimento de se respeitarem pelo que são, por aquilo que os torna únicos, angariando esse mesmo respeito de volta.
O motivo que nos leva a nos movermos deste modo no mundo, focados prioritariamente na atividade e na competitividade é uma questão que se pode investigar melhor durante a psicoterapia, um processo privilegiado de autoconhecimento, a fim de se obter uma maior serenidade e melhor qualidade de vida em meio a esse ritmo frenético em que vivemos. Afinal, é luta inglória tentar competir com o tempo ou com o restante da humanidade. Suficiente desafio já nos é colocado ao competirmos conosco mesmos: tornarmo-nos melhores hoje do que fomos ontem. Dentro do tempo que dispomos e a partir do que já somos.
Dra Janete de Paiva Borges -CRP 04 – 20965 - Psicoterapia e Orientação Profissional - 31 9 9851.7396
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