Erro

Casais e relacionamentos disfuncionais

Postado por Alexandre Tetsuo Shimura em 31/05/2020 23:08


Segundo reportagem de 20 de abril os relatos de brigas de casais aumentaram 431% desde o início do isolamento. Surpreendente? Será que conviver muitas horas por dia com a pessoa que escolhemos para estar ao nosso lado pode ser tão difícil?

Poder, pode. Porque para que uma convivência próxima seja harmônica são necessários esforços em vários sentidos. Gostamos de rotinas, de coisas nos seus lugares, de previsibilidade, de ocupar certos espaços e saber que o outro fará a sua parte. Ao longo dos primeiros meses e anos de um relacionamento um contrato tácito vai sendo elaborado: eu cuido dessas coisas e você destas; me preocupo com isso, mas não com aquilo. Não só nas coisas práticas, nas tarefas ou no enfrentamento das atividades cotidianas, mas também no campo afetivo. Acontece que muito facilmente nos instalamos na nossa zona de conforto: por medo, insegurança, impossibilidade, ansiedade e outros tantos motivos preferimos nos manter no conhecido e no previsível. Nos mantemos ali com medo do diferente, de tomar decisões, do sofrimento. É claro que gostamos de sair da rotina, viajar e fazer coisas diferentes, mas como exceção, sem trabalho envolvido em um tempo reservado ao lazer. Porém o que vivemos agora, neste momento de pandemia, é uma outra exceção, com rotinas modificadas de forma radical, associado às dificuldades profissionais e financeiras.

Rotinas transformadas, problemas, medo. Diante disto nada mais confortável e saudável ter ao nosso lado alguém que nos compreenda e nos acolha. Ouça nossas angústias, receios e ofereça colo. E que possamos oferecer o mesmo por ela. Parece ideal, não? O único problema é que, pelo menos nos relacionamentos duradouros, a idealização ou, se preferir, as expectativas irrealistas que temos do outro, é um dos fatores que mais causa conflitos. Aliada de primeira hora no início, quando enxergamos na pessoa amada tudo aquilo o que mais queremos e esperamos de alguém, rapidamente a idealização se torna nossa inimiga e volta e meia somos tomados de assalto por um pensamento: "cadê a pessoa pela qual me apaixonei?".

Algumas vezes vamos além e colocamos no outro a responsabilidade das expectativas frustradas que temos sobre nossos próprios comportamentos, atitudes e situação de vida. O que decorre deste contexto frequentemente são atitudes destrutivas para a relação, como falta de respeito (menosprezo, xingamentos e ironias), críticas destrutivas, atitudes defensivas (um comportamento que esconde a própria vulnerabilidade e busca atacar o outro, em geral culpando-o) e distanciamento emocional. Esta situação afeta de modo intenso a qualidade do relacionamento e leva a um círculo vicioso de dor, sofrimento, controle, perda de privacidade e apatia emocional. Fugimos do sofrimento e vamos de encontro a ele: deixamos de crescer emocionalmente e com frequência passamos a conviver diariamente com rancores e ressentimentos, que nos causa mais medo, raiva e ansiedade. Tentamos nos proteger com distanciamento e agressividade, em um ciclo de violência contra nós próprios e contra o outro (e não me refiro aqui à relacionamentos abusivos ou que envolvam violência doméstica).

Superar a idealização e sair da zona de conforto é um processo de perdas e ganhos, que exige esforço mútuo. A relação nunca será igual ao início e além disto se transformará constantemente ao longo dos meses e anos. Você e seu parceiro ou parceira mudarão. Portanto é importante um esforço contínuo de reconhecimento e discriminação de desejos (seus e do outro), dos projetos e sonhos que podem ser construídos juntos e aqueles que serão realizados individualmente.

A chave é conseguir estabelecer espaços de diálogo, palavra tão comum e tão difícil de colocar em prática. É preciso uma escuta sincera e ativa, identificar seus próprios sentimentos em relação aos incômodos nas diversas situações cotidianas. Aprender a falar desses sentimentos e transmitir ao outro suas sensações e estados emocionais sem atacá-lo ou culpá-lo. Fazer circular sentidos e significados: não se trata de convencer o outro ou defender posições, mas de construir pontes nas divergências, de unir e criar vínculos. Caminhos nos quais ideias diferentes possam encontrar pontos em comum para seguirem juntos, abrir-se a novos modos de agir e pensar, abandonar posições cristalizadas. Sem que para isso seja necessário abrir mão de si ou de valores que considera fundamentais. Uma forma bastante interessante de exercitar novos modos de se relacionar é usar exemplos de situações concretas para expor de forma clara como se sente e porque lhe causam sofrimento, buscando apontar outras possibilidades de enfrentar essas mesmas situações.

Como disse antes, é um processo de perdas e ganhos no qual é necessário mútuo esforço e disposição. Talvez você descubra que neste relacionamento não é possível seguirem juntos, ou talvez se redescubram em novas e melhores possibilidades de permanecerem juntos. Então quem sabe você terá ao seu lado alguém que te compreenda, acolha, ouça suas angústias e receios, ofereça apoio. Pode ser que não seja exatamente do jeito que você queria ou idealizou, mas com certeza melhor, pois será real.

www.psicogradiva.com.br






X

Quer receber novidades?

Assine nossa newsletter!