Postado por Bruna de Oliveira Novais em 18/11/2025 20:56
Para muitos, o mundo é sensorialmente avassalador: luzes invasivas, sons sobrepostos, uma etiqueta dolorosa. Para outros, é "silencioso" demais, exigindo esforço para se sentir presente. Estas alterações no processamento sensorial são características neurológicas comuns em neurodivergentes. Não é falha ou "frescura", mas um sistema nervoso que processa os sentidos de forma diferente. Em "Somos Animais Poéticos", Petit diz que arte e literatura são ferramentas de sobrevivência para "dar forma ao caos em tempos de crise". Nesta representação a "crise" é o cotidiano; a sobrecarga precisa ser processada. A exploração sensorial e a contemplação viram ferramentas de regulação. Não é só ver o mundo, mas filtrá-lo, ativamente "dando forma" ao caos sensorial para torná-lo habitável.
A contemplação, é o ato de contemplar, é focar em um sentido de cada vez: a textura de uma folha, o som de um instrumento, o calor do café. É um ato de autorregulação consciente. Quando bem-sucedida, a recompensa é o "pequeno" prazer.
Para um sistema nervoso sobrecarregado, esses momentos são âncoras de segurança e previsibilidade que trazem o cérebro ao equilíbrio, provando que o mundo não é só ruído.
É aqui que a arte revela sua função terapêutica profunda. Ela permite explorar os sentidos de forma segura. O ato de criar arte (desenhar, pintar, dançar, escrever) é a externalização desse processo. É pegar o caos sensorial interno e "dar-lhe forma". É organizar o ruído em música, a sobrecarga visual em pintura. Criar é a expressão máxima do uso da arte para processar a realidade.
Amélie Poulain, personagem principal do filme “O fabuloso destino de Amélie Poulain” é o exemplo perfeito desse processo. Ela não é apenas uma consumidora passiva de prazeres; ela é uma artista que ativamente molda sua realidade. Ela usa sua percepção aguçada dos detalhes para criar beleza e significado, tornando o mundo mais habitável para si e para os outros.
Portanto, essa relação é mais que uma ideia; é um ciclo vital que pode ser usado como ferramenta ativa em tempos de crise. A contemplação funciona como uma ferramenta de exploração sensorial. Os pequenos prazeres, por sua vez, são as âncoras que trazem regulação e segurança. E a arte é a linguagem sublime que usamos para processar e transformar o caos em um refúgio habitável.
Para aprofundar, indico duas obras:O livro "Somos Animais Poéticos", de Michèle Petit e o filme "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Inspirem-se e construam seus próprios refúgios habitáveis no cotidiano.