Erro

O Chamado da Alma na Era do Desempenho: um olhar junguiano para o mal-estar contemporâneo

Postado por Mônica Teixeira em 09/05/2025 07:16


Vivemos em tempos acelerados. Entre notificações, metas e promessas de produtividade, muitos de nós se veem exaustos, ansiosos, desmotivados — ainda que tudo “pareça estar indo bem”. Em meio a essa contradição, a psicologia junguiana nos oferece um convite: e se esse mal-estar for, na verdade, um chamado da alma?

Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço e fundador da psicologia analítica, compreendia a psique humana como algo profundo, simbólico e em constante busca por sentido. Para ele, os sintomas não eram apenas problemas a serem eliminados, mas mensagens do inconsciente. Em outras palavras, aquilo que nos incomoda pode conter pistas sobre o que precisa florescer em nós.

Na atualidade, há uma espécie de culto à eficiência. Somos incentivados a sermos “versões melhores de nós mesmos” o tempo todo — mais focados, mais organizados, mais felizes. Mas onde ficam as sombras nesse processo? Onde cabem as dúvidas, as pausas, os sentimentos que não se encaixam nessa lógica de performance?

Na visão junguiana, esse desequilíbrio entre a persona (a máscara social que usamos para nos adaptar ao mundo) e o self (o centro regulador da psique, que busca totalidade) é uma das raízes do sofrimento moderno. Quando nos identificamos demais com a persona — por exemplo, com a imagem do profissional impecável ou da mãe perfeita — corremos o risco de sufocar aspectos importantes da nossa alma.

A boa notícia é que a psique tem seus próprios caminhos de compensação. Os sonhos, por exemplo, são um canal direto entre o consciente e o inconsciente. Neles, surgem imagens, símbolos e narrativas que muitas vezes nos confrontam, mas também nos orientam. Um sonho recorrente com uma criança perdida pode revelar a necessidade de reconexão com a espontaneidade e a criatividade. Um animal selvagem pode simbolizar uma força instintiva esquecida.

Além dos sonhos, os mitos e contos de fadas, tão presentes no trabalho junguiano, também têm muito a nos dizer. Tomemos, por exemplo, o mito de Perséfone, que é raptada por Hades e levada ao mundo subterrâneo. Esse mergulho nas profundezas, que a princípio parece uma perda, se revela depois como um rito de passagem. Perséfone retorna transformada, com um novo olhar para o mundo. Assim também acontece conosco quando temos coragem de descer às nossas sombras: voltamos mais inteiros.

A psicologia junguiana não promete soluções rápidas, mas caminhos de escuta e reconexão. Em vez de silenciar os sintomas, ela nos convida a perguntar: “O que minha alma está tentando me dizer?”. Talvez a ansiedade esteja apontando para uma vida desconectada de nossos valores mais profundos. Talvez o desânimo esteja nos sinalizando que é hora de mudar de direção.

Em um mundo que nos pede para correr, Jung nos convida a escutar. Escutar nossos sonhos, nossos afetos, nossas imagens internas. E quem sabe, ao fazermos isso, possamos encontrar não só alívio, mas também sentido.

Porque, no fim das contas, como disse o próprio Jung:
"Aquilo a que você resiste, persiste. Aquilo que você aceita, se transforma."

Referências:

HILLMAN, James. O código do ser: uma busca pelo caráter e vocação pessoal. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.

NEUMANN, Erich. A criança: estrutura e dinâmica do desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Cultrix, 1995.

ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à ciência do imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

JUNG, C. G. O homem e seus símbolos. 9. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013.

JUNG, C. G. A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2011.

JUNG, C. G. Tipos psicológicos. Petrópolis: Vozes, 2013.

JUNG, C. G. Memórias, sonhos, reflexões. 16. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014.






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