Erro

Estresse e imunidade.

Postado por Agatha Valadão de Freitas em 08/01/2024 17:00


O QUE É O ESTRESSE?

Conceito de estresse:

O termo stress tem sua origem na Física e diz respeito ao nível de deformidade sofrida por uma estrutura quando submetida a uma sobrecarga. Esse termo foi adotado para denominar um conjunto de reações que o nosso organismo desenvolve quando é exposto a uma circunstância que exija uma adaptação (MARTINS, 2005).

Em 1946, Hans Selye conceitua a reação do estresse como uma síndrome de adaptação geral (SAG), que é a soma de reações sistêmicas não-específicas do organismo resultantes de exposição contínua ao estresse. O autor explica essa reação ao estresse em três estágios distintos: reação de alarme, fase da resistência e fase da exaustão. A reação de alarme é o conjunto de alterações causadas pelo contato repentino ao estressor ao qual o organismo não está adaptado quantitativa ou qualitativamente. A fase da resistência é caracterizada pela exposição contínua ao estressor ao qual o organismo se adaptou. Nessa fase, a resistência é aumentada. A fase da exaustão se dá pelas respostas que ocorrem como resultado de uma exposição muito prolongada ao estressor ao qual o organismo se adaptou, mas que não puderam ser mantidas (SELYE, 1946). Esse pressuposto ficou conhecido como o modelo trifásico de evolução do estresse (RAMIRO et al., 2014).

Por outro lado, a autora Marilda Lipp, durante a padronização do Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp, propôs o modelo quadrifásico do estresse, em que há a fase de quase-exaustão, que ocorre entre a resistência e a exaustão e que se caracteriza pelo início do processo de adoecimento. As doenças começam a aparecer, entretanto, não são tão críticas como na fase da exaustão (LIPP, 2000, apud LIPP 2010, p. 19).

Neuropsicofisiologia do estresse:

Em relação aos aspectos neuropsicofisiológicos do estresse, Hans Selye (1965) contribui ao afirmar que:

O sistema nervoso e o sistema endócrino (ou hormonal) desempenham papéis especialmente importantes na manutenção da resistência durante o stress. Facilitam a manutenção, em bom estado, da estrutura e das funções do corpo, a despeito da presença de agentes produtores do stress, ou stressores, tais como a tensão nervosa, ferimentos, infecções e envenenamentos. Este estado constante é conhecido como homeostase (SELYE, 1965, p. 3).

Segundo Almeida (2010), para suportar os estressores, nosso organismo é capaz de emitir respostas moleculares e comportamentais rápidas através de alterações na função e expressão gênica neuronal, o que possibilita um imediato reestabelecimento do estado funcional. Essas respostas se dão em função de circuitos neurais que envolvem o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) e sistema límbico.

O sistema límbico é formado pela amígdala, hipocampo, córtex piriforme, substância inominada e pela área septal. Tem função imunorreguladora, exerce controle endócrino e está relacionado aos impulsos, memória e afeto. No caso da amígdala, essa está ligada ao hipotálamo e outras estruturas límbicas (JONES, BURNS, AMINOFF e POMEROY, 2014). Estrutura semelhante a uma amêndoa (amígdala=amêndoa), também é conhecida como núcleo amigdaloide e está associada a comportamentos agressivos (luta ou fuga, procura do parceiro sexual e de alimento, etc.) e social (hierarquia de bando). Encontra-se no centro do encéfalo e faz limite com o hipocampo. Ao receber um estímulo, envia sinais às áreas corticais (registros), ao hipocampo (memória), ao tálamo, e, em destaque, ao hipotálamo, efetuando um constante feedback com todas as estruturas límbicas (emoção). Tem vários núcleos com funções variadas: o estímulo em determinadas áreas pode eliciar ira, medo, fuga e punição; em outros, recompensa e satisfação (OLIVEIRA, 2005). A estimulação da amígdala ativa o eixo HHA e a resposta de estresse (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2008).

O hipotálamo, que tem como objetivo regular funções básicas relativas à sobrevivência do indivíduo, é uma região do sistema nervoso central que, agindo sobre o sistema nervoso autônomo e sobre o sistema endócrino, induz respostas orgânicas causadas por estressores. Esse funcionamento permite que o indivíduo se adapte e mantenha o equilíbrio. Quando ativado, o SNA aumenta: o fluxo sanguíneo para os músculos, a taxa de glicose no sangue, o ritmo cardíaco e a atividade mental. Essa reação possibilita um melhor rendimento, tanto físico quanto mental. O hipotálamo também controla as glândulas endócrinas que ativam o eixo neuroendócrino HHA. Na região paraventricular hipotalâmica, há secreção do hormônio liberador da corticotrofina (CRH), que induz a liberação de hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) pela hipófise, que estimula a secreção de glicocorticoides (GCs) pelas adrenais, que exercem interação com o DNA celular, controlando a síntese protéica. Esses glicocorticoides (cortisol, cortisona e corticosterona) são corticosteroides que disponibilizam ao organismo substratos energéticos para a eliciação de respostas fisiológicas adaptativas frente aos estressores (ALMEIDA, 2010).

Descobertos os receptores cerebrais para corticosteroides no hipocampo e no córtex pré-frontal, foi observado por estudos de neuroimagem que os mesmos podem, em longo prazo, causar enfraquecimento da memória declarativa, diminuição da neurogênese (formação de novos neurônios no cérebro), redução do hipocampo (associado à memória de longo prazo) e declínio na função serotoninérgica (relacionada à depressão). Isso significa que, a depender da quantidade de concentrações de hormônios corticosteroides ao qual o organismo é exposto, pode haver comprometimento de funções cognitivas e aumento à vulnerabilidade a transtornos neurológicos e psiquiátricos relativos ao estresse (ALMEIDA, 2010). Selye confirma essa ideia ao afirmar que: “a saturação do corpo com hormônios, como se sabe, é um fator conhecido na produção de doenças” (SELYE, 1965, p. 150).

Estresse e imunidade:

Um dos pioneiros no estabelecimento da relação entre estresse e enfraquecimento do sistema imune foi Louis Pasteur, que, no final do século 19, constatou que galinhas sob efeito de estressores eram mais propensas a infecções bacterianas (BAUER, 2002), confirmando a observação de Selye em 1965, que apontou que “vários germes [...] podem instalar-se no corpo mais facilmente se as reações de defesa inflamatórias ou imunizantes são prejudicadas pela ação de hormônios antiinflamatórios” (SELYE, 1965, p. 190).

A psiconeuroimunologia é a ciência que estuda a relação entre o cérebro, o sistema imune e o comportamento e suas implicações na saúde/doença física. Nesse sentido, o estresse psicossocial pode afetar a eficiência do sistema imunológico, aumentando o risco de doenças (OLYMPIO, LIMA e AMORIM, 2014). Também é conhecida como neuroimunomodulação e imunologia condutal. Essa comunicação entre sistema neuroendócrino e resposta imunológica é conhecida como “interações psiconeuroendocrinoimunológicas”, que favorece a homeoestase ante aos estressores (VICTORIA, 2013).

Segundo Teixeira (2010), o SNC regula o sistema imunológico em conjunto com o sistema neuroendócrino e isso se dá em função da liberação de glicocorticoides (principais reguladores fisiológicos da resposta imune/inflamatória, em especial, o cortisol) pelo córtex das glândulas adrenais e da noradrenalina pelo SNA. Esses GCs são produzidos diariamente pelo eixo HHA com o objetivo de controlar várias atividades do organismo, incluindo a imunológica. Porém, diante de estressores, pode haver um desequilíbrio nesse mesmo eixo, seja por algum hiperfuncionamento (acontece na fase de resistência; há uma produção excessiva de glicocorticoides, causando repressão, mas não necessariamente supressão do sistema imune), seja por algum hipofuncionamento (acontece na fase de exaustão; há aumento na intensidade e na duração da resposta inflamatória, podendo desenvolver doenças autoimunes).

A hiperestimulação do eixo HHA (consequente taxa de cortisol aumentada) pode, portanto, prejudicar o sistema imune, suscetibilizando o indivíduo a infecções virais, retardo na cicatrização de feridas e queda de anticorpos no organismo, por exemplo (TEIXEIRA, 2010). O cortisol, principal hormônio regulador do sistema imunológico, liga-se a receptores citoplasmáticos nos leucócitos, provocando, na maioria dos casos, uma imunossupressão, que pode ser caracterizada por mudanças funcionais e enumerativas, tais como: queda na contagem de linfócitos e aumento de neutrófilos. Estas últimas incluem queda da proliferação de linfócitos, atividade Natural Killer (NK) e produção de citocinas (PETERSEN, BAUER e KOLLER, 2004).

Por outro lado, quando há uma hipoestimulação do eixo HHA (consequente taxa de cortisol diminuída), há uma intensificação anormal da resposta imune/inflamatória (identificadas em doenças inflamatórias, tais como: colite ulcerativa, fibromialgia, asma alérgica, síndrome da fadiga crônica, dermatite atópica, etc). Uma hipoestimulação pelo CRH, por exemplo, parece estar relacionada a patologias como: artrite reumatoide, lúpus eritematoso e esclerose múltipla (TEIXEIRA, 2010), que são doenças autoimunes, nas quais se desenvolvem reações imunes aos constituintes naturais do organismo, provocando lesões localizadas ou sistêmicas (FILHO e MOREIRA, 2010).

Selye corrobora que, “desde que aprendemos que a inflamação, por sua vez, é regulada por hormônios de adaptação, levanta-se a questão do papel que o excesso ou a deficiência de reações hormonais poderia ter no desenvolvimento das várias doenças” (SELYE, 1965, p. 149).

Sabe-se, portanto, que diante de situações estressoras, os glicocorticoides secretados pelo córtex das suprarrenais e as catecolaminas produzidas pelo SNAS e pela medula das suprarrenais modulam a atividade do sistema imune, sendo relacionados ao surgimento de mudanças comportamentais, imunológicas e declínio da resistência orgânica às infecções.

Assim, é confirmada a lógica de que o SNC influencia os processos do sistema imune, que por sua vez, altera a atividade do sistema nervoso pela produção de citocinas. Essa ideia é reforçada pela presença de receptores para neurotransmissores, hormônios, citocinas, etc. em células imunes e nervosas e também pela existência de neurotransmissores e hormônios em órgãos linfoides (MARGATHO, 2016).

O sistema imune é dividido em: humoral e celular. O primeiro produz anticorpos contra agentes extracelulares. O segundo atua na defesa contra fungos, vírus e células cancerígenas e é composto por células e produtos celulares. O sistema imune pode ser alterado em função da queda da qualidade e quantidade de sono causada pelo estresse, não sendo, portanto, restaurado, diminuindo a produção de citocinas, importantes na defesa contra infecções e restauração da homeostase. O sistema nervoso também é essencial na defesa do organismo com a secreção de endorfinas, que em contextos estressores, é desregulada, trazendo consequências à imunidade (doenças autoimunes, alérgicas e infecciosas) (JÚNIOR, 2010).

Para concluir, o estresse tem um mecanismo psicofisiológico complexo e possui diversas classificações, seja em função da sua duração e intensidade, seja em função dos mais diversos contextos aos quais ele se encaixa.






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