Erro

Adolescência, trabalho e subjetividade: o que a clínica psicanalítica tem a dizer sobre a nova geração no mercado

Postado por Gabriel Rocha em 14/04/2025 23:05


Nos últimos anos, um tema vem ganhando força nas rodas de conversa, nos ambientes corporativos e, inevitavelmente, também na clínica: o aparente “descompromisso” da nova geração com o trabalho. Surgem comentários do tipo: “essa geração não quer nada com nada”, “eles não têm resiliência”, “qualquer dificuldade já desistem”, “são frágeis”. Mas quando essas falas se repetem, elas não nos dizem algo apenas sobre os adolescentes — dizem também sobre a forma como nós olhamos para eles.

Na clínica psicanalítica com adolescentes, essas questões se tornam matéria viva. Escutamos jovens em processo de construção identitária, lidando com angústias profundas diante de um mundo que cobra posicionamento, produtividade e desempenho — mas ao mesmo tempo oferece instabilidade, sobrecarga e frustrações.

Fomos ensinados, enquanto sociedade, que o trabalho é a via principal de constituição do sujeito no mundo. Quando um adulto se apresenta, logo após o nome, ele diz com o que trabalha. É como se essa informação fosse capaz de definir quem ele é. Na escuta clínica, porém, percebemos o quanto isso pode se tornar um ponto de sofrimento: e quando o trabalho não satisfaz? Quando se perde o emprego? Quando a identificação com a função desaparece? O sujeito deixa de ser?

Esses adolescentes que chegam ao processo de análise muitas vezes carregam as marcas de uma geração anterior que foi adoecida pelo trabalho. A geração do burnout, da frustração profissional, do “fiz tudo certo e ainda assim me sinto vazio”. Eles crescem observando esse cenário e se perguntam, com razão: vale a pena repetir esse caminho?

Ao mesmo tempo, eles estão imersos num mundo hiperconectado. Um mundo onde tudo acontece em tempo real, onde o sucesso aparente está a um clique de distância, onde existem mil possibilidades de ser — e, com isso, uma angústia difusa sobre o que escolher, como se comprometer e quem, afinal, se é. Nesse cenário, o trabalho não aparece mais como a principal via de constituição do sujeito, mas como mais uma das infinitas opções — e, talvez, não a mais desejável.

Essa mudança não pode ser lida apenas como um problema de geração. Ela é uma virada cultural. É impossível não reconhecer que cada tempo histórico apresenta uma forma de sofrimento, e a forma como o trabalho se inscreve na vida dos sujeitos hoje é diferente da de décadas atrás.

E é importante lembrar: o conflito entre gerações sempre existiu. Houve o tempo em que era escandaloso querer escolher com quem se casar. Depois, houve a geração que lutou pelo direito de se divorciar. Cada nova geração questiona algo da anterior — e isso é saudável. É o motor da transformação social. A novidade de hoje será o tradicional de amanhã.

Por isso, na clínica com adolescentes, nosso lugar não é o de quem diz “isso é certo” ou “isso é errado”, mas o de quem escuta as angústias, os impasses, os desejos. Escutamos sujeitos em construção, atravessados por um mundo que muda o tempo todo, e que ainda assim querem encontrar um lugar onde possam existir de maneira mais coerente com o que sentem.

Quando escutamos as queixas do tipo “não querem trabalhar”, talvez devêssemos reformular a pergunta: o que o trabalho representa hoje para esses jovens? E mais ainda: o que ele representou (ou deixou de representar) para nós, que estamos cobrando tanto deles?

O futuro do trabalho, assim como o futuro da clínica, passa por escuta, adaptação e ressignificação. O modelo que funcionou até aqui talvez não dê conta de responder às novas subjetividades que emergem. E está tudo bem. É justamente nesse espaço de conflito que algo novo pode nascer.






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