Erro

O luto pela perda de um animal

Postado por Lucas Henrique Ferreira Alves em 15/02/2024 15:06


     A perda e o luto são condições intrínsecas a vida. Podemos considerar o luto como a reação diante da perda de um ente querido, de um ideal, de uma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como por exemplo o país, a liberdade, uma ideia, uma fantasia... e também reação diante da perda de animais de estimação. 

    Este último caso, em muitas vezes é negligenciado, negado ou diminuído. Entretanto, a perda de um animal de estimação sempre teve um potencial arrasador diante dos tutores e esse fenômeno vem se intensificando cada vez mais. Hoje em dia, ainda é frequente que a dor da perda de um animal seja diminuída por outros, todavia, há um entendimento cada vez mais difundido de que é uma perda tão dolorida quanto qualquer outra. Em alguns casos, ainda mais dolorida. 

    Um animal de estimação, um pet, é tido em muitas famílias da atualidade não apenas como um mascote, mas como um filho ou como um membro da família. E isso não é nenhum exagero. Quando afirmo que a perda de um animal de estimação pode ser ainda mais dolorida que a de um ser humano, isso encontra uma explicação plausível e material na própria realidade cotidiana de um grupo de indivíduos. Imaginemos que a bisavó de um sujeito, faleça. Imaginemos também, que o cão, companheiro fiel do sujeito, também faleça. Qual dor o sujeito sentirá mais? Apesar disso ser completamente individual, seria plenamente possível que a dor da perda do animal significasse um vazio assaz maior do que a perda do humano. Afetividade e contato não tem espécie. Podemos amar os animais de estimação mais do que muitos seres humanos. Estimação, vem de estimar, que é o mesmo que ter estima, apreço, afeição, amizade!

    A ausência do animal é imensa, profundamente sentida. As memórias dele certamente estão ligadas a cada canto da casa. As brincadeiras, o companheirismo, o afeto, o carinho. São coisas que parecem ser insubstituíveis. Soma-se também o fato de que cada animal tem uma personalidade única. Quando perdemos uma pessoa nos lamentamos e nos angustiamos com o fato de que não existe nada no universo que tinha a singularidade daquela pessoa. O mesmo vale para um animal. Ninguém tem aquela forma tão única de ser quanto o pet querido que partiu. 

    Como lidar então com o luto diante da perda de um pet? Não é de forma distinta do que se lida com outros tipos de luto. É preciso entender que o luto não é uma condição patológica que deve necessariamente ser submetida a tratamento. É uma condição normal e esperada, que praticamente todo ser humano vai vivenciar. Sintomas habituais do início do processo de luto são: desânimo profundamente penoso, uma perda de interesse pelo mundo, perda da capacidade de amar. O mundo parece ter se tornado pobre e vazio. 

    No entanto, com o tempo, a tendência do sujeito em estado de luto é passar pelo chamado "teste de realidade". Vai se tornando claro, ao longo do tempo, que aquilo que se perdeu não existe mais. Aos poucos, o trabalho de luto vai sendo realizado e o sujeito consegue seguir a diante, investindo sua energia em outras coisas, pessoas, animais e atividades. É de fundamental entendimento que o luto é lento e gradual. As lembranças, sentimentos e expectativas estão a todo instante surgindo, mas aos poucos vai tomando forma um processo de aceitação. 

    Quando pensamos em termos de fases de luto, nos defrontamos, de fato, com uma série de estados clássicos pertinentes a este processo. E o mesmo ocorre também no luto de um animal perdido. É comum negar o ocorrido, sentir raiva e culpa da situação ou de si mesmo, ficar triste e sem interesse por qualquer coisa e, por fim, aceitar. A aceitação é de fato fundamental para seguir a diante. A raiva, tristeza e culpa são afetos que tornam ao sujeito cada vez mais ligados aquilo que perdeu. É preciso deixar as coisas seguirem, por mais que a dor seja dilacerante. 

    Uma das dúvidas mais frequentes e comuns daqueles que perdem um pet querido é: devo adotar outro? Quanto tempo devo esperar para adotar outro? Eu costumo refazer a pergunta, pontuando: existe uma resposta para isso? 

    Quando pensamos no luto como uma reação singular de cada sujeito diante de uma perda, concluímos que não há como responder a essas questões de maneira definitiva. O que é importante frisar e separar com ênfase é que, adotar um outro pet não deve e não pode ser tratado como uma substituição do anterior. Até mesmo por causa da já referida singularidade que cada ser que existe se apresenta no universo. Se quiséssemos adotar um pet para substituir o anterior certamente ficaríamos frustrados ao perceber que ele é diferente, que ele age de maneira distinta e não se faz aquilo que esperamos dele. E isso não ocorre pelo fato do novo animal menos interessante ou inferior, mas apenas por ser único e singular. Estaríamos apenas depositando nele nossas expectativas e faltas do anterior. Por isso que muitas pessoas e mesmo profissionais não recomendam adotar um novo pet em um período breve após a perda. Seria necessário elaborar o luto primeiro, para logo após se permitir entrar integralmente em uma nova relação de cuidado e amor. Não discordo. Mas entendo que cada caso é um caso e que muitas vezes um novo animal pode sim permitir que você saiba investir sua energia, atenção e cuidado em outro pet, desde que você saiba e entenda que ele não é uma substituição do antecessor. As vezes é abrindo uma janela que se fecha uma porta. 

    Por fim, cabe pontuar que apesar de o luto ser um processor natural do ser humano que não precisa necessariamente ser tratado, é preciso observar como você se sente e se porta ao longo do tempo. Se o desinteresse, desânimo e tristeza perduram ao longo de muito tempo, a ponto de você não conseguir mais se sentir interessado e engajado em nenhuma outra atividade, é preciso tratamento pois trata-se então de um luto patológico. E sim, é plenamente possível que um luto patológico seja gerado pela perda de um animal. Como disse, cada vez mais se desmonta a noção do animal como uma vida inferior ou digna de menos importância. É parte de nós, é parte do mundo, é parte da família, muitas vezes. Assim sendo, é difícil aceitar que você nunca mais vai ver aquele olhar verdadeiramente carinhoso, sentir aquele corpo que faz tanta questão de estar ao seu lado, cuidar daquele amor genuíno. Aceitar que aquilo que era tão próximo de você se tornou apenas lembranças. 

    Dedico este texto a Ariel, a gatinha mais chata e amável que já tive. Gratidão eterna!

 

Lucas Henrique Ferreira Alves - CRP04/67750

Instagram: @psi_lucashfalves

Blog: https://psilucashfalves.blogspot.com/






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