Postado por Ana Clara Damasceno Palombo em 23/09/2025 17:08
O amor, na perspectiva psicanalítica, é um fenômeno complexo que atravessa a constituição do sujeito e se manifesta como uma experiência que envolve desejo, falta e transferência. Desde Freud, entende-se que a escolha amorosa se ancora nas primeiras vivências infantis, especialmente nas relações com os objetos primários — geralmente as figuras parentais — que deixam marcas psíquicas duradouras. A noção de “escolha de objeto” proposta por Freud destaca que buscamos, no outro, traços que remetam a essas experiências originárias, seja por repetição, seja por tentativa de reparação. Assim, o amor não se reduz a um afeto consciente, mas é atravessado pelo inconsciente, revelando desejos recalcados e padrões de relação que se atualizam nas parcerias adultas.
Um ponto central da psicanálise é a compreensão do amor como fenômeno de transferência. Na clínica, a transferência é o movimento pelo qual o paciente direciona ao analista sentimentos, expectativas e fantasias que originalmente pertencem a suas relações primárias. Essa dinâmica mostra que o amor não é apenas um encontro entre dois sujeitos, mas um campo em que o inconsciente se expressa, atualizando roteiros afetivos e repetindo modos de ligação. O amor, nesse sentido, serve como via privilegiada para que o sujeito reconheça seus modos de desejar e suas defesas, possibilitando um trabalho de elaboração.
A leitura lacaniana aprofunda esse entendimento ao situar o amor na lógica da falta. Para Lacan, “amar é dar o que não se tem a alguém que não é”, frase que sintetiza a ideia de que o amor nasce da incompletude estrutural do sujeito. O ser humano é marcado por uma carência constitutiva: não somos seres inteiros, e é essa falta que impulsiona o desejo. Ao amar, oferecemos ao outro um lugar de significante, uma promessa de preenchimento que, em última instância, nunca se cumpre. O amor, então, não é a fusão perfeita, mas a possibilidade de sustentar a diferença e o enigma do Outro.
Clinicamente, compreender o amor implica analisar como cada pessoa lida com a alteridade e com a impossibilidade de completude. Os impasses amorosos revelam defesas, repetições e modos de gozo singulares. A psicanálise não propõe uma receita para amar, mas um caminho para que o sujeito reconheça seus fantasmas, assuma seu desejo e possa se relacionar de forma menos aprisionada pelas idealizações infantis. Assim, o amor, longe de ser mero sentimento romântico, torna-se um campo de verdade, no qual o inconsciente se mostra e o sujeito tem a chance de se responsabilizar por sua própria história de desejo.
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Ana Clara Damasceno
Psicóloga- CRP 06/181018
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