Postado por Samara Bezerra da Silva em 11/06/2025 16:14
Introdução
A ansiedade é um fenômeno psíquico e fisiológico multifacetado, presente tanto em contextos normais quanto patológicos. Quando vivida em excesso, pode comprometer a autonomia do sujeito, prejudicar seu desempenho cotidiano e gerar grande sofrimento. Este artigo apresenta estratégias momentâneas para lidar com a ansiedade quando ela se manifesta, articulando fundamentos da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), abordagens contemporâneas (como a Terapia de Aceitação e Compromisso e o Mindfulness), e contribuições da Psicanálise clássica e contemporânea.
Compreensão Inicial da Ansiedade
A ansiedade é uma resposta natural do organismo, ativando o sistema de alerta frente a uma ameaça percebida. Embora útil em situações reais de risco, pode tornar-se disfuncional quando ativada de forma desproporcional ou crônica. Freud (1926) já apontava a ansiedade como um sinal do ego diante de perigos internos ou externos, enquanto Melanie Klein (1948) e Lacan (1962) exploraram sua função enquanto expressão de conflitos inconscientes.
Orientações Práticas Imediatas
1. Reconhecer a ansiedade como resposta, não como ameaça
O primeiro passo é identificar a ansiedade como uma reação do corpo. Ela é uma tentativa de proteção, e não necessariamente um sinal de perigo real. Reconhecer isso ajuda a desativar parte da carga emocional envolvida.
2. Evitar julgamentos sobre si mesmo
A vivência da ansiedade não deve ser compreendida como fraqueza ou incapacidade. Pelo contrário, ela revela um sistema psíquico sensível, que reage a sobrecargas internas ou externas. A autoaceitação contribui para a redução dos sintomas.
3. Mover-se do sentir para o agir
Após reconhecer o estado emocional, é útil perguntar-se: “O que posso fazer agora para cuidar de mim?” Essa mudança de postura — da passividade para a ação — promove sensação de controle e reduz a ruminação.
4. Utilizar técnicas como ferramentas, não como testes
Nem toda técnica produzirá alívio imediato. A experimentação com curiosidade, sem cobrança de sucesso, favorece o desenvolvimento de repertório pessoal para o enfrentamento da ansiedade.
5. Integrar corpo, respiração e cognição
Técnicas que envolvem o corpo (movimento, relaxamento), a mente (reflexão, diálogo interno) e a respiração (regulação fisiológica) tendem a produzir efeitos mais completos no manejo da ansiedade.
6. Registrar a experiência (quando possível)
Refletir e anotar, posteriormente, o que desencadeou a ansiedade, o que foi feito e o resultado observado auxilia no autoconhecimento e na construção de estratégias mais eficazes.
Técnicas Baseadas em Evidências
Respiração Diafragmática
Consiste em inspirar profundamente pelo nariz, mantendo o ar por alguns segundos, e expirar lenta e completamente pela boca. Essa técnica ativa o sistema parassimpático e desacelera o ritmo cardíaco. Fundamentada em práticas de relaxamento progressivo (Jacobson, 1938) e intervenções da TCC.
Ancoragem Sensorial (Técnica 5-4-3-2-1)
Estimula o foco no momento presente por meio da observação consciente dos sentidos: visão, tato, audição, olfato e paladar. Baseada em princípios de mindfulness (Kabat-Zinn, 1990).
Reestruturação Cognitiva Breve
Convida à reflexão sobre pensamentos automáticos ansiosos. Perguntas como “Esse pensamento é um fato ou uma suposição?” ajudam a reduzir distorções cognitivas (Beck, 1976).
Técnica do Observador (Mindfulness Cognitivo)
Permite observar pensamentos como eventos mentais transitórios, sem julgamento. Inspirada na defusão cognitiva da Terapia de Aceitação e Compromisso (Hayes et al., 1999).
Relaxamento Muscular Progressivo
Trabalha com a contração e o relaxamento sistemático dos grupos musculares para aliviar a tensão física.
Contato com a Realidade (Diálogo Interno Reflexivo)
Propõe perguntas diretas como: “Posso resolver essa situação? Quando? De que forma?”, promovendo clareza e separando o possível do impossível. A técnica remete ao conceito de elaboração psíquica proposto por Freud (1915) e à noção de simbolização (Bion, 1962).
Contribuições Psicanalíticas para o Entendimento da Ansiedade
Na Psicanálise, a ansiedade é vista como sinal de conflito inconsciente. Freud (1926) distingue entre a ansiedade realística (ligada a perigos externos) e a neurótica (ligada a desejos ou fantasias recalcadas). Klein (1948) aprofunda a ideia de ansiedades primárias e mecanismos de defesa primitivos, como cisão e projeção. Para Lacan (1962), a ansiedade está relacionada à confrontação com o desejo do outro e à falta de significante que nomeie a posição do sujeito. A angústia, nesse sentido, não é sem objeto, mas sem nome.
A leitura psicanalítica não busca suprimir o sintoma, mas compreendê-lo em seu contexto, escutando o que ele representa. Assim, a intervenção não se reduz à técnica, mas amplia a escuta clínica e a relação com o sujeito de desejo.
Considerações Finais
O manejo da ansiedade exige uma combinação de intervenções imediatas e de escuta profunda. As técnicas aqui apresentadas oferecem alívio momentâneo e favorecem a autorregulação, mas seu uso deve ser compreendido dentro de um processo contínuo de autoconhecimento. A articulação entre abordagens comportamentais e psicanalíticas permite um cuidado mais abrangente e humano, considerando tanto os sintomas quanto os significados que os sustentam.
REFERÊNCIAS:
BECK, Aaron T. Terapia cognitiva e os transtornos emocionais. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
BION, Wilfred R. Aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
FREUD, Sigmund. Inibição, sintoma e angústia (1926). In: FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. 20.
HAYES, Steven C.; STROSAHL, Kirk D.; WILSON, Kelly G. Terapia de aceitação e compromisso: um guia para criar flexibilidade psicológica. Porto Alegre: Artmed, 2012.
JACOBSON, Edmund. Progressive relaxation. Chicago: University of Chicago Press, 1938.
KABAT-ZINN, Jon. Viver a catástrofe total: como usar a sabedoria do corpo e da mente para enfrentar o estresse, a dor e a doença. São Paulo: Palas Athena, 1990.
KLEIN, Melanie. Notas sobre alguns mecanismos esquizóides (1946); Inveja e gratidão (1957). In: KLEIN, Melanie. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
LACAN, Jacques. O seminário, livro 10: A angústia (1962-1963). Rio de Janeiro: Zahar, 2005.