Postado por Gabriel Leva França Maciel em 17/04/2024 14:24
Estamos testando nossas relações o tempo todo. Sabe aquelas brincadeiras de levantar hipóteses do tipo “você me namoraria se eu fosse assim ou assado?” ou aquele pensamento que diz algo como: "se eu perdesse o emprego, ele(a) ainda me amaria? E se eu envelhecer? Se minha vida não for mais a mesma?". Tem até aquelas brincadeiras mais "inocentes" como "você me amaria se eu fosse uma minhoca?", ou testes mais diretos, esforços para não responder aquele(a) por quem temos interesse na hora, de desmarcar encontros pra ver se o interesse do outro se mantém, não enviar mensagem para ter certeza que é desejado ou procurado, esperar para dizer que ama, observar esse ou aquele sinal que vai, de uma vez por todas, garantir que o outro está disponível. Mesmo nessas brincadeiras aparentemente inocentes existem testes que procuram entender se as pessoas com quem nos relacionamos são confiáveis, o quanto podemos garantir para nós mesmos que elas não irão nos frustrar.
É um eterno esticar de ponta de pé pra verificar a temperatura da água, ou pingar de leite pra não correr o risco de queimar o bebê. Afinal, bebê queimado não volta a se alimentar com tranquilidade tão cedo. Estamos o tempo todo em busca de garantias que não seremos abandonados ou de que ainda somos interessantes, de que somos amados com todas as garantias que os seres humanos podem dar. Como se na vida tivessem mesmo garantias desse tipo.
Para a psicanálise (e arrico dizer que para a psicologia em geral), boa parte dos comportamentos de um adulto tem a ver com o modo como ele viveu suas primeiras relações enquanto criança. Tem a ver, principalmente com os níveis de frustração experienciados nas relações com os pais ou primeiros cuidadores. Daí que é das frustrações que surgem os testes, dessas primeiras rupturas (em algum nível essenciais) que nós nos lançamos nesse vácuo que é misteriosa intenção do outro em sua totalidade. O desejo de ter certeza sobre o desejo do outro ou ter certeza de ser o desejo do outro. Certeza é a palavra de ordem. Será que é possível ter certeza?
Deu pra entender onde eu quero chegar né?
A depender de como as primeiras frustrações acontecem, essa ânsia por compreender ou ser precisamente o que o outro quer fica mais intensa, vira sofrimento, ciúmes, inseguranças terríveis e paralisantes. Fica muito mais difícil de se relacionar com todas essas coisas em jogo, fica muito mais difícil ser amado(a) se nos sentimos assim o tempo todo. Muito da nossa desconfiança remete aos padrões que vivemos na infância e não tanto assim com o nosso presente. Muitas vezes, esses testes são previsões de bebês frustrados que não querem mais se machucar. Mas quando o bebê se sente machucado demais, frustrado demais pelo modo como viveu suas relações, os testes se tornam insuportáveis. Aqui eu falo, principalmente, dos bebês crescidos, os adolescentes, adultos e idosos que carregam as marcas dessas experiências frustrantes e que agora sofrem para estabelecer novas relações significativas e seguras.
Uma vez que olhamos para trás e nos sentimos abandonados, pouco amados, inseguros de que as pessoas que dizem nos amar realmente nos amem, começamos a elaborar testes mais complexos e constantes. Testes mais difíceis de serem superados, mais dolorosos. É uma espécie de mecanismo de defesa, em algum nível, saber testar é importante para observarmos a solidez das relações, mas quando esses testes acontecem o tempo todo, pelos mais variados motivos, tornam-se insuportáveis. Afinal, estamos reproduzindo no outro as inseguranças que vivemos, numa ânsia constante pra nos sentirmos completamente seguros, totalmente certos de que jamais seremos abandonados.
Não vou iludir ninguém, quase todas as nossas relações se dão nesse jogo de sintomas mesmo, nem por isso, deixa de ser necessário jogar luz nos nossos vícios relacionais e pensar sobre o quanto queremos que isso permaneça ou mude.
Reconhecer esses medos antigos ajuda a repensar sobre o impulso de “procurar pelo em ovo”, que nos leva a essas caçadas permanentes, onde acabamos com uma coleção de ovos barbados, trincados ou quebrados. E quase sem relações significativas, seguras e confiáveis. Podemos pensar que, por trás desses testes, muitas vezes, tem um monte frustrações antigas com as quais a gente tenta não se deparar de novo, não se machucar de novo e muito pouco a ver com a relação atual, com nosso desejo, nossa vontade de demonstrar afeto.
E aí, você tem conseguido se defender ou acaba se afastando das pessoas que ama?
É autopreservação ou ciclo vicioso?
Quais testes são realmente necessários? E quais realmente falam sobre o que o outro faz conosco? Quais são sobre o que fazemos por nós mesmos?