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Reflexões de aspectos teóricos da abordagem junguiana

Postado por Daniela Dantas Furlaneto em 27/07/2025 21:46


 

“Da mesma forma que existe uma paixão que almeja a uma vida cega e sem barreiras, existe também uma paixão que gostaria de sacrificar tudo ao espírito, justamente por causa de sua superioridade criadora. Esta paixão transforma o espírito em um tumor maligno que destrói absurdamente a vida humana. A vida é um dos critérios da verdade do espírito.” (Carl Jung em  A Natureza da Psique)

 

Para mim tudo o que e leio e releio acerca de Carl Jung e da Psicologia Analítica sempre saio tocada, transformada, me comove  e me impulsiona. Não à toa escolhi esse caminho como base, chão, lanterna e alma de minha jornada profissional pois possui uma extensão e profundidades que nunca se esgotarão. Para começar a tratar de alguns conceitos por aqui resolvi visitar então um dos aspectos teóricos que sempre me inspira a querer saber mais: o Self. Não pretendo fazer uma descrição técnica nem epistemológica apenas trazer minhas reflexões e impressões sobre os temas e instigar a curiosidade dos que se sentirem tocados.

O Self é sempre identificado como a integração dos opostos, a totalidade psíquica a qual todos nós temos como meta, mas esse Self é fruto da Totalidade Superior, de um Self Maior que abrange e rege o Universo, o Cosmos, aquele que dá ordem no Caos, e que também é o Caos. E esse self fruto do Self maior nos remete ao que os sábios antigos diziam que Deus fez o homem para que o homem se fizesse Deus. Ao mesmo tempo que é impossível compreender a dimensão desse arquétipo e da própria imago-dei, são ideias, forças e constructos que acompanham a jornada humana desde a Antiguidade e até mesmo antes disso. Nos mitos, tragédias, contos de fadas, a busca pela autorrealização, pelo despertar, pela totalidade e sentimento de plenitude sempre nos acompanhou. Algo em nós e fora de nós nos conduz e nos direciona, nos chama, nos guia, nos ensina e nos mostra quando estamos saindo da trajetória rumo ao Si Mesmo, gerando tragédias, doenças, sintomas, sonhos ou nos mostrando que estamos no caminho certo através dos sonhos, sincronicidades etc.

Essa dimensão superior em nós e fora de nós é algo que sempre vai deixar escapar algo quando tentarmos compreender o que é, como é, e como podemos atingir. Esse arquétipo que trabalha junto com o inconsciente coletivo e pessoal, que faz com que tudo funcione de forma cooperativa e regulatória em nós para nosso crescimento e fortalecimento do ego é algo realmente que me instiga e escapa ao mesmo tempo. Assumo minha incapacidade de traduzir em palavras exatamente o que sinto quando estudo a teoria junguiana e principalmente sobre o self. E a partir desse quase total fracasso em explicar aceito o mistério e tento deixar que ele fale por mim mesmo que por meias palavras já que não tenho a pretensão de descrever o indescritível, mas que paira, vive e rege o mundo em uma homeostase constante, que se realiza em nós, nos impulsiona a sermos cada vez mais quem somos de forma singular e cada vez mais uno com o Todo.

 

“O Si-mesmo não é apenas o ponto central, mas também a circunferência que engloba tanto a consciência como o inconsciente. Ele é o centro dessa totalidade, do mesmo modo que o eu é o centro da consciência.” (Carl Jung em Psicologia e Alquimia)

 

Outro aspecto teórico que me marca sempre quando leio e sempre quero ler mais é sobre Sincronicidade. Para mim ela é fundamental para estabelecermos um respeito sobre o que uma outra pessoa afirma a respeito do que para ela faz sentido e tem significado e importância. Pois ela vai reagir de acordo com a forma com que vê o mundo e seus acontecimentos e, se ela enxerga uma relação entre um evento e um sonho por exemplo, que não possuem relação de causalidade, mas há algo de ordem psíquica e emocional que os conectam, ninguém poderá se opor a isso. E Jung nos trouxe essa noção de forma fundamentada que nos auxiliará na prática clínica como na vida pessoal através do autoconhecimento. Já li relatos de pacientes dele que foi através da sincronicidade que eles renunciaram às resistências ao tratamento psicoterapêutico analítico pois eram céticos e racionais demais.

A sincronicidade dá a possibilidade de o indivíduo perceber que nem tudo está sob seu controle e que nem tudo que foge ao seu controle é desordem. Nesses casos sincronísticos será quase que regra situações que não foram de forma alguma pensadas, planejadas ou controladas, mas que são tão perfeitas em forma e conteúdo, que fazem total sentido e com uma ligação tão forte com seu mundo interior que não tem como o ego não renunciar à sua “onipotência” e esse entregar para uma Onipotência maior que ele, que desconhece e que por esse mesmo motivo lhe arrebata.

Enfim, ficaria horas falando de cada conceito que Jung nos presenteou, pois nenhum deles se esgota, mas como sabemos também, por mais que falemos nada será suficiente. A experiência e até mesmo o silêncio frente os acontecimentos e teorias podem nos dizer muito mais que as melhores tentativas de racionalização. Eu sempre gostei do mistério, talvez por isso me identifiquei muito com Jung, pois a forma como ele apresenta a vida, sem deixar fechado seus conceitos, nos prepara a não nos limitarmos e a estarmos abertos para ouvir e acolher tudo o que nos chega e para sempre buscarmos novos olhares, ângulos e contatos. E que muitas vezes abrir mão das certezas do ego e ver no que vai dar, em uma atitude totalmente percebida como loucura pelos outros pode ser apenas um pequeno ego se entregando ao chamado do Self e tentando colaborar com ele, e que mesmo não parece ter sentido inicialmente isso vai ser sempre uma boa ideia, não tem como dar errado.

Como mesmo Jung disse “Minha vida é a história de um inconsciente que se realizou. Tudo o que nele repousa aspira a tornar-se acontecimento, e a personalidade, por seu lado, quer evoluir a partir de suas condições inconscientes e experimentar-se como totalidade”. (JUNG, p. 5, 1963)

      E que seja assim para todos, que todos possam se abrir ao mistério da vida, integrar consciente e inconsciente, desenvolver suas personalidades e se realizar como os seres humanos que são.

 

 


 

REFERÊNCIAS

 

JUNG, C. G. A psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.

JUNG, Carl Gustav. A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes. 1991.

JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos e reflexões. Editora Nova Fronteira. Ano 1986.

JUNG, C. G. O homem e seus símbolos. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

JUNG, C. G. Psicologia e Alquimia. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

 


 

DANIELA DANTAS FURLANETO
Psicóloga junguiana - CRP 15 7957
Contato: (82) 99832-0949






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