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A Travessia do Adeus: O Luto Necessário e a Reconstrução do Self no Fim de um Relacionamento

Postado por Karim Cristina Silvestro em 14/10/2025 10:01


O término de um relacionamento afetivo – seja o fim de um casamento ou de um namoro – configura-se como um dos maiores estressores psicossociais da vida adulta, desafiando a capacidade de adaptação e a integridade emocional do indivíduo. Longe de ser um evento superficial, a ruptura desencadeia um processo complexo e profundo que a Psicologia, em consonância com os referenciais éticos e científicos do Conselho Federal de Psicologia (CFP), entende como um trabalho de luto. A perda transcende o simples adeus ao parceiro, abarcando a desintegração de um projeto de vida, o desmanche de rotinas compartilhadas e, sobretudo, a necessidade de renegociar a própria identidade que foi, em grande parte, definida pela díade.

O embasamento teórico para a compreensão dessa experiência remonta à Psicanálise, notadamente à obra de Sigmund Freud. Em "Luto e Melancolia" (1917/2010), Freud estabeleceu as bases para entender o luto como um processo doloroso, mas necessário, de desinvestimento libidinal do objeto perdido. No contexto da separação, a psique se opõe ferrenhamente à exigência da realidade de que o objeto de amor não existe mais como parte da vida. O esforço exigido para retirar toda a energia psíquica (libido) investida no parceiro e no vínculo é a essência do "trabalho de luto", caracterizado pela ruminação de memórias e pela profunda tristeza que acompanha a aceitação da perda irreversível.

A manifestação desse luto segue, muitas vezes, o modelo de fases adaptado para perdas não-mortais, servindo como um mapa para a dor. Inicialmente, a negação opera como um escudo protetor contra o choque da realidade, mantendo uma fantasia de reconciliação. Esta fase é frequentemente sucedida pela raiva, um sentimento que pode ser projetado no ex-parceiro, em si mesmo, ou em fatores externos, manifestando-se como frustração e sentimento de injustiça. A barganha, caracterizada por tentativas de reverter a situação, culmina na fase mais intensa de depressão ou tristeza profunda, onde o sujeito vivencia o vazio existencial e a desorganização emocional decorrente da ausência. A superação, contudo, se instala com a aceitação, que é o ponto de virada onde o indivíduo, sem necessariamente apagar a dor ou as lembranças, consegue direcionar o foco para o presente e para a reconstrução de um futuro individual.

Além da dimensão íntima e psíquica, a separação possui um forte impacto social. A sociedade, estruturada em torno de valores de conjugalidade e sucesso afetivo (Zanetti, Sei & Colavin, 2013), muitas vezes impõe um estigma ou uma pressão para a rápida recuperação. Essa pressão pode levar o indivíduo a vivenciar um "luto não autorizado" (Doka, 1989), onde a dor não encontra o reconhecimento e o apoio social necessários, dificultando a sua elaboração. A perda de um relacionamento é também a perda de uma posição social, forçando o sujeito a renegociar suas amizades, a dinâmica familiar e o seu lugar no mundo.

Neste cenário complexo, a atuação do psicólogo, regida pelo Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005), é crucial. O profissional atua como um mediador seguro do processo, oferecendo o suporte técnico-científico para que o luto seja vivenciado de forma plena e saudável. O objetivo não é acelerar o processo, mas criar um espaço de acolhimento para a dor, auxiliar na identificação dos sentimentos ambivalentes e promover a restauração da autoestima e da autonomia. A terapia torna-se o local onde a energia, antes aprisionada na relação finda, pode ser liberada para o desenvolvimento pessoal, permitindo que a "travessia do adeus" resulte na redescoberta de um self mais fortalecido e consciente.

Referências Bibliográficas

FREUD, S. (2010). Luto e Melancolia. In: Obras completas, volume 12. São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1917).

ZANETTI, S. A., SEI, M. B., & COLAVIN, T. (2013). O Fim do que era para ser para sempre: O que fazer uma vez que o luto pelo rompimento da relação acabou? In T. de Almeida (Org.). O Poder do Ex em Minha Vida: Sobre a Influência das Relações Cíclicas no Cotidiano das Relações Amorosas. Pepsic.

DOKA, K. J. (1989). Disenfranchised grief. Lexington Books.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Código de Ética Profissional do Psicólogo. Resolução CFP nº 010/05. Brasília, DF: CFP, 2005.






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