Erro

Suportando e atravessando uma separação

Postado por Francisco Tiago Castelo Leitão da Silva em 29/10/2022 21:44


Ao viver um relacionamento amoroso, os sujeitos envolvidos se colocam em um intenso processo de troca. A medida que o tempo passa e a relação segue, seja de forma saudável ou não, um conjunto de investimentos afetivos, expectativas e sobretudo experiências encontram destino naquele outro com quem se fez parceria. Enquanto houve a relação, havia portanto um lugar para abrigar os sentimentos, para a intimidade, para o entendimento do que o amante foi se tornando ao lado de seu amado. Como uma planta que cresce para cima e para os lados, as raízes também se aprofundam e tomam um lugar cada vez mais e mais vasto na vida de cada um dos amantes. Entra-se numa rotina, conhece-se a família, amigos e histórias são construídas a partir daquela união. A certa altura, os membros de um casal não conseguem sequer falar de si sem mencionar em algum momento o outro.

Assim como cada relação começa a sua maneira, também cada relação termina a sua maneira. Tenha sido ela feita de modo parcimonioso ou sob fortes atritos, toda separação é, em si, traumática no sentido de que aqueles que se veem então ausentes daquele outro com quem viviam, precisam encontrar um novo destino para o investimento que era lançado na relação. Por mais bem ou mal feito o processo de decisão do fim da relação, é nos momentos de solidão que cada um precisa se haver com a continuidade de sua vida. Fazer isso enquanto se passa por dentro do processo do fim, por si só demanda um tempo. Durante esse processo, determinadas atitudes podem se mostrar nocivas para aqueles que o estão atravessando.

Freud, em "Luto e Melancolia", traça um dos mais importantes tratados acerca do processo psíquico de como se dá o luto para os sujeitos. Enquanto o objeto para quem o Eu direcionava seus investimentos psíquicos e afetivos existia na realidade, havia entre o Eu e o objeto uma via, uma ligação, um direcionamento. É ao romper essa ligação, seja pela morte do objeto, ou pelo fim da relação amorosa que se tinha com o objeto, que se faz necessário todo um processo de retorno do investimento psíquico e afetivo de volta para o Eu. E isso não se faz do dia para a noite. As experiências vividas na relação deixam marcas que são carregadas de significados muito presentes quanto mais recente for o fim da relação com o objeto perdido.

Um dos maiores conselhos que se pode dar a alguém enlutado pelo fim de uma relação é, com certeza, respeitar o tempo do processo de luto, ao mesmo tempo em que, a medida que for necessário, buscar formas de direcionar para si os investimentos que eram antes dedicados ao outro. Esse processo, além de levar tempo, não é fácil, pois relacionar-se é se reconhecer no outro com quem se relacionou. Atravessar uma separação é portanto ir se descobrindo novamente, desta vez de fora do que se entendia de si sob a presença do outro.

A respeito das atitudes que podem se mostrar nocivas para esse processo, elas todam remetem ao não respeito ao tempo mesmo do luto se dar. Há quem, por não suportar a dor de um fim, busque se anestesiar das mais diversas maneiras. Anestesiar-se, entretanto, é diferente de buscar formas de investir em si. A diferença se dá no fato de que quem se anestesia, ao se ver diante da angústia da separação, busca imediatamente formas de não elaborar essa angústia, e foge pela via da anestesia. Quem, por outro lado, busca formas de investir em si, o faz mesmo enfrentando a angústia do fim. O que se deve ter em mente é que o luto não é um processo completamente linear. Há dias em que o enlutado se vê seguindo bem, e há outros que se vê tendo suas recaídas afetivas. Vejo esse processo das recaídas como o ato de apagar com borracha um risco de lápis: às vezes, após passar a borracha sobre o risco de lápis deixa ainda as marcas do que ficou riscado. Atravessar esse processo não é apagar completamente o risco; tentar fazer isso às vezes pode até acabar com toda a borracha sem sucesso, ou rasgar a folha de papel; o que se deve buscar é conviver com o fato de que existe ali uma marca remanescente de lápis, bem mais fraca, e que isso não impede de escrever outra coisa por cima.

É possível fazer um proveito mais saudável desse processo que por si só causa alguma dor. Há para tudo um tempo. O processo recente de um luto, para ser bem conduzido, demanda mesmo determinada introspecção do sujeito enlutado. É possível que esse momento seja aproveitado de modo a não forçar uma disposição para o mundo que não se está sentindo realmente. Esse primeiro momento pode ser vivido com as atividades que para cada sujeito tenham um efeito de auto-acolhimento. Quem passa por esse primeiro momento, precisa antes de uma companhia amigável que se mostre presente, mais do que uma companhia que force uma disposição para a qual ainda não chegou a hora. É só aos poucos que aqui e ali os primeiros investimentos no mundo voltam a ser feitos, e esse tempo varia de pessoa para pessoa. Retomando o artigo de Freud, primeiro a energia que era direcionada ao objeto perdido precisa retornar para o Eu (fase de introspecção), para depois ser reinvestida em outros objetos (fase de extroversão).Como ressaltado pouco antes, esse processo é contínuo e não linear.

Saber que o processo de enfrentar uma separação é um processo de luto, e que este tem sua dinâmica própria, assim como saber que há atitudes que podem ser saudáveis e outras nocivas para quem está passando por esse processo não é o suficiente. Para algumas pessoas, o processo de luto de uma separação é mais difícil de ser enfrentado porque após o fim elas percebem que se confundiram muito com o objeto amado e sentem dificuldade de encontrarem um lugar para si onde elas próprias tenham força para se sustentar. Um psicólogo pode ajudar exatamente aí. É na dificuldade que algumas pessoas, por conta das experiências particulares que fizeram parte de suas vidas, encontram em seguir adiante após o fim de uma relação, que um psicólogo pode funcionar como essa espécie de "testemunha" do luto ao qual o paciente está passando, apontando contornos possíveis para a dor que se sente ali onde não se está conseguindo encontra-los.

Alguns caminhos para seguir em frente não são encontrados exatamente porque o paciente antes não pôde falar sobre eles, tão tomado que está por sua dor. É num processo de fala e de escuta que esses caminhos podem ser finalmente traçados.

Tiago Castelo CRP 03/22168)
Psicologia e Psicanálise
(71) 98841-5479






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