Postado por Carla Mirelly Nunes de Lima em 17/10/2025 09:00
Sonhos em análise?
Diante do frenesi dos nossos tempos, de um cotidiano marcado pelo excesso de trabalho em um contexto de desigualdades como o Brasil, a experiência deficitária de dormir bem, sonhar, lembrar e compartilhar está na origem de nossa crise socioambiental, defende o professor e neurocientista Sidarta Ribeiro. Um estudo recente de pesquisadores ligados ao Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde da Fiocruz aborda uma desigualdade no dormir entre a população brasileira. A conclusão principal é de que moradores de zonas residenciais segregadas têm, de fato, índices piores quanto ao sono, o que revela que até mesmo o ato de descansar tornou-se um privilégio.
No início do século XX, Sigmund Freud explorou a questão do sonho como uma produção psíquica dotada de importância para a experiência subjetiva. Em A Interpretação dos Sonhos (1900), o autor propõe que o sonho é a via régia de acesso ao inconsciente, sendo, portanto, um fenômeno que ultrapassa o mero descanso fisiológico. O sonho fala, deseja, desloca e disfarça, oferece uma narrativa cifrada sobre o sujeito e suas relações com o mundo.
Algumas indagações podem ser tecidas acerca do lugar do sonho na contemporaneidade, sobretudo ao considerarmos as desigualdades sobre o sono e o que isso acarreta para a subjetividade. Um estudo recente publicado por pesquisadoras(es) da psicanálise no contexto brasileiro explorou o trabalho onírico durante a pandemia (Dunker et al., 2021). Através do estudo do sonho, as margens entre o interno e o externo, entre a subjetividade e o social, são reposicionadas por uma lógica onírica que suporta termos do inconsciente, da consciência e da trama sociopolítica que nos enreda. Sonhar, nesse sentido, talvez seja ainda uma forma de resistência, um modo de elaborar o real quando a vigília já não dá conta.
Referências:
DUNKER, Christian et al. Sonhos confinados: o que sonham os brasileiros em tempos de pandemia. Autêntica Editora, 2021.
FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Imago Editora (Original publicado em 1900), 1976.
RAVIZZINI, Simone; BALDIN, Talita. A interpretação dos sonhos e sua relação com o significante: um achado que implica a dimensão da perda. Tempo psicanalítico, v. 53, n. 1, p. 58-83, 2021.
SHIGAKI, Leonardo et al. A segregação residencial socioeconômica está associada aos problemas do sono? Insights do ELSA-Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 40, p. e00111323, 2024.