Postado por Mônica Teixeira em 14/08/2025 16:41
Na psicologia analítica junguiana, o desenvolvimento da psique está profundamente ligado à chamada relação primal, conceito desenvolvido por Erich Neumann (1995). A relação primal refere-se ao vínculo originário entre o bebê e sua figura materna ou cuidadora, sendo fundamental para a emergência do ego e a formação do self. Quando essa relação inicial é marcada por acolhimento, atenção e consistência, cria-se uma base segura para a psique, permitindo ao indivíduo desenvolver identidade coesa, autorregulação emocional e capacidade de diferenciar-se do inconsciente de forma saudável. Nesse contexto, a psique se organiza em torno de experiências de confiança básica, simbolização e integração emocional, formando estruturas psíquicas resilientes.
Todavia, quando a relação primal apresenta falhas — seja por negligência, rejeição, abuso ou instabilidade afetiva do cuidador —, podem surgir traumas precoces, que comprometem a continuidade da experiência de si e a confiança no mundo. Tais experiências interrompem a diferenciação do ego em relação ao inconsciente, gerando fragilidade egóica, mecanismos de defesa rígidos e padrões relacionais simbióticos. De acordo com Neumann (1995), traumas intensos ou repetitivos aumentam a vulnerabilidade psíquica e podem favorecer o desenvolvimento de transtornos psicóticos, nos quais a integração entre ego e self se torna significativamente prejudicada, manifestando-se em dissociações, distorções da realidade e dificuldades de simbolização de experiências emocionais. Jung (1960) complementa que a psique traumatizada mantém conteúdos inconscientes não integrados, que podem emergir como sintomas severos em situações de estresse ou conflito.
O processo terapêutico na psicologia analítica visa compreender em que fase do desenvolvimento psíquico o paciente se encontra “preso”. Por meio da análise de sonhos, fantasias, sintomas e padrões relacionais, o terapeuta busca identificar os bloqueios do ego, os traumas precoces e a forma como esses eventos interromperam o processo de diferenciação e amadurecimento da psique. A partir dessa compreensão, a terapia promove a integração do self, permitindo ao paciente avançar psiquicamente dentro de sua própria experiência, independentemente da idade cronológica. Esse percurso terapêutico favorece a reconstrução da confiança básica, a flexibilização de mecanismos de defesa rígidos e a capacidade de simbolização, promovendo amadurecimento emocional e fortalecimento da relação entre ego e self.
Assim, compreender a relação primal e os efeitos dos traumas precoces é essencial não apenas para a interpretação de sintomas, mas também para o planejamento de intervenções terapêuticas que favoreçam o desenvolvimento psíquico contínuo. A psicologia analítica enfatiza que a evolução do indivíduo não está limitada à infância; mesmo experiências traumáticas graves podem ser ressignificadas ao longo da vida, quando o processo terapêutico oferece um espaço seguro para o reencontro do ego com o self e a integração das experiências inconscientes.
Referências
Jung, C. G. (1960). The Structure and Dynamics of the Psyche. Princeton University Press.
Lima, P. H. N., & Rades, T. C. (2017). O quarto de Jack: tecendo símbolos da relação primal à luz da teoria de Erich Neumann. Junguiana, 35(2), 37-46. Disponível em: https://pepsic.bvsalud.org
Migliari, M. H. (2012). A relação entre transtorno dissociativo de identidade e abuso sexual na infância: uma abordagem junguiana. Trabalho de Conclusão de Curso, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Disponível em: https://repositorio.pucsp.br
Neumann, E. (1995). A criança: Estrutura e dinâmica da personalidade em desenvolvimento. Cultrix.