Erro

Quando o corpo fala o que a boca cala

Postado por Diego do Nascimento Souza em 07/12/2025 14:53


      O corpo é um excelente orador. Ele se expressa com precisão, urgência e clareza. Mas, curiosamente, raramente o ouvimos. Estamos ocupados demais tentando funcionar, tentando render, tentando parecer bem. E é exatamente por isso que o corpo, um dia, resolve gritar.

      Ninguém acorda com dor “do nada”. Nada desmaia “do nada”. Nada perde ar “por acaso”. Sintomas são mensagens. E embora pareçam biológicos, são, muitas vezes, emocionais; são tentativas desesperadas de um organismo em sofrimento para dizer: “Você está indo longe demais.”

      A ideia de que corpo e mente são entidades separadas é confortável, mas falsa. Porque aceitar que meu estômago dói por causa de algo que eu sinto — e não apenas algo que eu comi — implica reconhecer uma responsabilidade que preferimos não ter: a de olhar para nossas emoções.

      A medicina moderna tenta, com boa intenção, silenciar os sinais: analgésico para dor de cabeça, antiácido para gastrite, sedativo para insônia. E funciona — por um tempo. Mas não existe remédio capaz de curar aquilo que o corpo produz para compensar a alma.

      Há quem viva como se fosse invencível: segurando tudo, engolindo tudo, administrando tudo. Só que o corpo tem limites mais curtos que o ego. Ele aguenta até quebrar. E quando quebra, não pergunta se estamos preparados. Ele simplesmente desliga.

      A sabedoria do corpo é cruel, porque é honesta. Ele revela tudo aquilo que escondemos. Ele denuncia a raiva, a tristeza, a angústia, o medo, a culpa. Ele diz o que não conseguimos dizer. Ele externaliza aquilo que julgamos impossível demais, feio demais, vulnerável demais.

      Muitas pessoas acreditam que suas dores são problemas físicos isolados. Dor nas costas? Postura. Gripe recorrente? Imunidade. Taquicardia? Café demais. Pode ser. Mas pode ser algo mais duro: um corpo que carrega histórias pesadas, ressentimentos antigos, responsabilidades que ninguém deveria ter sozinho.

      Há um sofrimento que não se enxerga nos exames. Ele aparece antes, e aparece depois. Ele atravessa o sono, o apetite, a respiração, o humor, o desempenho, o desejo. Ele não aparece no sangue, mas aparece no jeito de viver.

      Nosso corpo fala quando não damos espaço para a fala. Ele torna físico aquilo que insistimos em manter psicológico. E faz isso porque sabe que o físico é mais difícil de ignorar. Não dá para fingir que não sente uma dor. Dá, sim, para fingir que não sente uma emoção.

     A cultura nos ensinou a ser fortes. Fortes demais. A engolir o choro, a suportar o absurdo, a não reclamar. E, ironicamente, depois nos culpamos porque o corpo “não suporta”. Como se ele estivesse traindo a imagem que construímos de nós mesmos.

     A anatomia emocional é mais complexa do que pensamos. Há músculos que carregam medo. Há vísceras que acumulam memórias. Há respirações que denunciam ansiedade. Há corações que batem por sobrevivência, não por vida.

      E isso nos coloca diante de uma pergunta difícil: o que, exatamente, estou tentando administrar sozinho? O que estou silenciando com força, racionalidade, ocupação? O que dói, mas não ouso nomear?

       Porque o corpo começa discreto. Uma tensão leve. Um sono ruim. Um enjoo rápido. Depois vira rotina. Depois vira incapacidade. E, por fim, vira diagnóstico. O corpo fala baixo, depois implora, depois exige. Quando exige, costumamos chamar de doença. Mas, muitas vezes, é apenas a soma do que foi ignorado.

      O caminho de cura, no entanto, não é mágico nem romântico. É desconfortável. É ter que ouvir aquilo que nunca quisemos admitir. É encarar que o problema não era “trabalhar demais”, mas a necessidade de provar valor. Não era “cuidar demais”, mas a incapacidade de ser cuidado. Não era “ansiedade”, era medo de ser insuficiente.

       A cura exige coragem, e coragem dói. Porque coragem não é ausência de medo — é decisão de ver o que o medo esconde. Os sintomas, no fundo, são convites: convites brutais para reescrevermos nosso modo de existir.

      Mas ninguém consegue fazer isso sozinho. Não porque falte inteligência, espiritualidade ou disciplina. Mas porque estamos emocionalmente comprometidos demais com nossas próprias histórias para enxergá-las com lucidez.

      Precisamos de alguém de fora — não para dar respostas, mas para fazer perguntas. Não para nos consertar, mas para nos ajudar a olhar. Porque olhar, sozinho, é perigoso. Podemos cair na tentação de racionalizar tudo de novo, e seguir adoecendo, com elegância.

      O corpo quer ser ouvido, não consertado. Quer ser compreendido, não medicado. Quer ser acompanhado, não controlado. Ele quer diálogo, não silêncio. E só no diálogo ele deixa de gritar.

     Há uma liberdade estranha quando finalmente percebemos que o corpo não é inimigo, mas aliado — um guardião fiel e incansável, que luta para nos manter vivos, mesmo quando insistimos em nos abandonar.

     E talvez, apenas talvez, seja tempo de escutar esse corpo que tanto fala. De criar um espaço onde o que dói possa ser dito antes de virar sintoma. Onde a história possa ser contada antes de virar doença. Onde você, finalmente, possa existir inteiro — sem precisar carregar tudo sozinho.

 

Psicólogo Diego do Nascimento Souza 

CRP: 19/003070

WhatsApp: (79) 9 9893-3474






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