Postado por Nathan Henrique Bovo dos Reis em 30/07/2022 06:10
"Só existe um problema filosófico realmente sério, o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder a questão fundamental da filosofia." Essa é a frase de abertura do livro "O mito de sísifo" de Albert Camus. Ele parte da ideia de que qualquer questão filosófica, por mais interessante e complexa ou importante que seja, só tem algum significado se primeiro resolvermos a questão do suicídio. Nesse livro Camus faz o mais nobre esforço analítico e filosófico para resolver essa questão. A proposta não é dar um tapinha nas costas, um boa sorte ou uma palestra motivacional. A ideia é se debruçar de verdade sobre o problema. Explicar porque a vida vale a pena ser vivida. Para isso ele explora o absurdo que é viver. O absurdo não está na existência do ser humano e nem na existência do universo, mas sim no encontro entre o ser e o universo e no conflito entre a necessidade que o ser humano tem de dar significado a tudo que existe e a incapacidade de faze-lo nesse caso. Isso faz com que questionemos qual o sentido da vida e porque valeria a pena viver caso não exista sentido algum. Sabe aquele vazio no peito que é sentido de vez em quando, a falta de motivação ou direção no mundo? É disso que Camus fala. Será que a resposta pra esse absurdo é o suicídio? Já adiantamos que não.
Para Albert Camus há três opções: o suicídio físico, o suicídio filosófico e a aceitação. O suicídio físico é o ato literal de se matar. Ao invés de resolver o problema, é apenas uma forma de escapar e o ato em si só torna o problema ainda mais absurdo. Porque como acabar com a própria vida poderia resolver a questão principal da vida? Pode ser difícil compreender isso em momentos de desespero ou em momentos que a tristeza é maior do que a racionalidade. Praticamente todas as pessoas já contemplaram o suicídio alguma vez na vida. Você não está sozinho. Mas é bom lembrar que o suicídio é normalmente uma solução permanente para um problema temporário.
O suicídio filosófico é o que ficou conhecido como "salto da fé". Quando uma crença religiosa, espiritual ou abstrata diz que a solução está além do absurdo. É importante compreender que para Camus o problema não é crer em Deus ou ter fé, mas sim deixar de viver o presente por acreditar que o significado está no que vem depois. Seja no pós vida, numa sociedade perfeita, futuro ou em qualquer espécie de salvação que não encare o presente. Isso também não responde o problema. Para Camus a resposta é a aceitação do absurdo. E para isso é necessário citar o mito de sísifo.
Na mitologia grega, Sísifo era rei de Corínto, perdidamente apaixonado pela vida e o mais inteligente dos mortais, mas por enganar os deuses foi condenado a empurrar uma grande pedra até o topo de uma montanha para que quando chegasse la a pedra rolasse montanha a baixo e ele tivesse que recomeçar o trabalho, por toda a eternidade. Mas porque essa punição nos parece tão trágica? Exclusivamente pela consciência de prestar um trabalho em vão, sem significado algum. Por isso é que Camus diz que é durante o retorno à base da montanha que Sísifo mais interessa. É nesse momento que ele toma consciência do absurdo. Surge então o paralelo entre Sísifo e a condição humana. Subimos a montanha de segunda a sexta para descermos aos fins de semana, subimos a montanha durante toda a vida para que tudo acabe no final e se formos mais longe subimos a montanha com a humanidade para que no fim o universo se reduza a nada. Como o filósofo diz, não é enquanto empurramos a pedra que contemplamos o suicídio, mas sim quando paramos para refletir sobre por qual razão vale a pena continuarmos fazendo isso. E não importa qual é nosso trabalho, se gostamos dele ou não. Uma hora ou outra, na descida da montanha, qualquer um pode entrar nesse questionamento existencial tentando entender qual o sentido de continuar. Isso pode parecer desesperador. Mas para Camus a própria consciência que nos fez questionar essa condição é o que nos salva dela. Se a vida é ou nos parece absurda, somos livres para criar nosso próprio significado. Não para encontrar um significado no universo, mas sim criar nosso proprio e único significado. Ele diz:
" Assim abstraio do absurdo três consequências que são minha revolta, minha liberdade e minha paixão. Apenas com o jogo da consciência transformo em regra de vida o que era convite à morte - e recuso o suicídio.Conheço sem dúvida a surda ressonância que se estende ao longo desses dias. Mas só tenho uma palavra a dizer: e que ela é necessária. Quando Nietzsche escreve: "Parece claramente que a coisa mais importante no céu e sobre a terra é obedecer por muito tempo e numa mesma direção: com o passar dos dias, surge daí alguma coisa pela qual nos vale a pena viver sobre esta terra como, por exemplo, a virtudade, a arte, a música, a dança, a razão, o espírito. Alguma coisa que transfigura, alguma coisa de refinado, de louco ou de divino." Ele ilustra uma moral de grande discernimento, mas também mostra o caminho do absurdo. Obedecer a chama é ao mesmo tempo o que há de mais fácil e de mais difícil. É bom, contudo, que o homem confrontando-se com a dificuldade se julgue de vez em quando."
(O MITO DE SÍSIFO - CAMUS)
Pois então, por acaso o absurdo da vida faz com que a arte seja menos bela, a comida menos saborosa, o sorriso menos contagiante, a felicidade de quem amamos menos deliciosa, a virtude menos admirável, o sexo menos prazeroso? Não, não faz. Aliás, o próprio Camus diz: "Se o mundo fosse claro a arte não existiria." Então nos revoltamos contra esse absurdo e ousamos viver ao máximo empurrando nossa pedra metafórica que para cada um tem um significado específico com toda vivacidade possível e encarando de frente o momento presente. Criamos o nosso proprio significado até na condição mais absurda, até na total ausência ou aparente ausência de sentido." Camus termina o livro assim: "Cada átomo daquela pedra, cada lasca mineral daquela montanha é repleta em noite e em si próprio formam um mundo. A propria luta em direção às alturas é suficiente para preencher o coração de um homem. Deve-se imaginar Sísifo feliz."
E por fim, reflita: felicidade = realidade - expectativas.
CAMUS, Albert. O mito de sísifo; tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. – Rio de Janeiro: Record, 2010. 138p.
CAMUS, Albert; O estrangeiro. 1913-1960; tradução de Valerie Rumjanek.- 30ª Ed. – Rio de Janeiro: Record, 2009.
126p.