Postado por Laís Comini em 29/04/2025 10:21
Na perspectiva psicanalítica, o tempo é compreendido como uma dimensão que transcende a "linearidade cronológica" (essa que usamos para medir o tempo em segundos, minutos, horas, dias...). Freud destaca que, para o inconsciente, o tempo não é vivido de maneira sequencial; passado, presente e futuro coexistem em uma trama contínua e emaranhada. Assim, experiências do passado, como traumas infantis, são constantemente reinscritas e atualizadas no presente, criando uma temporalidade simbólica que desafia a lógica cartesiana.
Freud propõe que o inconsciente opera em uma temporalidade própria, ou que ele é 'atemporal', está fora do tempo como conhecemos. Isso implica dizer que eventos passados não estão realmente "superados" ou encerrados, eles permanecem vivos, circulando no psiquismo e influenciando diretamente os comportamentos, fantasias e sintomas do presente. Esse conceito desafia a ideia de tempo linear tradicional e enfatiza a repetição como uma marca do inconsciente.
Um conceito importante relacionado ao tempo em Freud é o "Nachträglichkeit" ("a posteriori" ou "depois do fato"). Esse termo descreve como experiências passadas podem ser reinterpretadas e ganhar novos significados à luz de eventos posteriores. Por exemplo, um evento aparentemente insignificante na infância pode adquirir um impacto traumático quando relembrado ou reinterpretado na vida adulta.
Freud também explora o tempo na transferência, onde o passado do paciente é revivido na relação com o analista. Nesse contexto, o tempo não é apenas uma sequência de eventos, mas um espaço onde o inconsciente se manifesta e pode ser trabalhado ou '(re)elaborado'.
Lacan avança essa discussão com o conceito de "tempo lógico", estruturado em momentos decisivos que atravessam o sujeito em sua relação com o desejo. Retirando o sujeito de uma relação direta com a cronologia do tempo e entendendo a temporalidade em relação ao desejo inconsciente. O tempo, nesse sentido, não é uma variável neutra, mas um espaço de construção e transformação subjetiva, onde o sujeito se confronta com o Real, ressignificando sua existência frente ao simbólico e ao imaginário.
O "tempo lógico", segundo Lacan, organiza-se em três momentos fundamentais: o instante de ver, o tempo para compreender e o momento de concluir. Esses momentos não obedecem a um tempo externo, mas a uma temporalidade interna que envolve o movimento do sujeito diante do Real e sua tentativa de significar aquilo que o atravessa.
O instante de ver se caracteriza como um momento inaugural, onde o sujeito percebe algo que se apresenta como enigma ou desconforto, instaurando um campo de questionamento. O tempo para compreender constitui um intervalo onde o sujeito, no registro do simbólico (através da fala), busca elaborar essa percepção, relacionando-a com os significantes que estruturam sua história. Por fim, o momento de concluir é o ponto de decisão, onde o sujeito, confrontado com a impossibilidade do Real, realiza um ato que redefine sua posição diante do desejo.
Essa lógica temporal também atravessa a experiência da repetição e da transferência, em que o sujeito revive, no presente, traumas ou significantes do passado em uma tentativa de ressignificação. Na clínica psicanalítica, o tempo não é um recurso a ser controlado, mas uma dimensão a ser habitada, onde o trabalho do inconsciente permite que o sujeito elabore suas repetições e abra caminho para novas possibilidades de subjetivação.
Diante disso, podemos concluir que o tempo na psicanálise não se restringe à medida externa; é vivido como experiência íntima e singular. A clínica psicanalítica utiliza o tempo como ferramenta de escuta, permitindo que o sujeito acesse o cerne de suas memórias e fantasias, para aí transformar a repetição em elaboração. Nesse processo, o passado não é apenas recuperado, mas reinterpretado, abrindo possibilidades para o futuro e recriando o presente.
Freud dizia: a única coisa que podemos mudar é o passado.