Postado por Francisco Tiago Castelo Leitão da Silva em 07/08/2021 13:10
O personagem ressentido é muito comum. Ele aparece frequentemente nos filmes, novelas e livros. Ocupam geralmente o lugar do mocinho, que é moral, justo, resiliente e que tem por seu oposto o vilão, imoral, injusto e aproveitador. Na vida real, embora os sujeitos fantasiem para si suas posições diante do Outro, construindo a cena que ilustra a sua realidade, as dinâmicas são mais complexas. Mas o sujeito ressentido é alguém que se enxerga como um vitimado pelas circunstâncias ou, principalmente, pelos outros.
O ressentido tem uma teoria pessoal que o sustenta: sua pureza moral o deixa para trás diante da dinâmica das relações que estabelece. Seu discurso se estrutura como "O outro se aproveita de mim, faz o que bem quer, mas eu não sou assim, porque para mim isso não é certo". Em seu discurso, a partícula "para mim" demonstra que o sujeito ressentido toma uma posição diante do outro - essa posição, entretanto, lhe escapa. Ver-se desse modo põe sobre ele a ilusão de estar com a razão. Esta razão, serve principalmente para fixá-lo no lugar do ressentimento. Este lugar subjetivo se torna o ponto a partir do qual ele enxerga o Outro.
Falta ao ressentido enxergar a inconsistência do que sustenta a sua posição: ele supõe fracassar não porque é pior do que os outros, mas porque é melhor do que eles. Essa ideia para ele se mostra inquestionável, visto que questioná-la atingiria a posição que a sustenta. Como mexer nisso custaria caro, os esforços que ele dispende para se sustentar enquanto ressentido também tem um gasto psíquico. É por isso que ele defende essa posição sustentando-a com novos argumentos, pois se por um lado dói se manter como o ressentido, por outro o livra da angústia de construir para si um outro lugar que não o do ressentimento. Diante dessa equação, vale refletir se a dor da mudança não vale mais do que a dor do ressentimento eterno.
Re-sentir: sentir repetidamente, como o Prometeu do mito grego, que foi condenado por Zeus a todos os dias sofrer a dor de uma águia que comia seu fígado, que à noite era regenerado para que na manhã seguinte a águia voltasse para comê-lo de novo, re-sentindo sempre a mesma dor.
Supor que o outro por quem nos sentimos injustiçados irá um dia reconhecer os próprios atos como injustos é uma dor que não vale o que custa. Ela serve tão somente para alimentar a fome do ressentimento. E isso pode se tornar uma prisão para o ressentido. Os passos se dão na medida em que os pacientes se enxergam próximos de se responsabilizar pelo sofrimento do qual padecem. Isso realmente leva tempo, e um analista pode acolher a angústia de um sujeito que está passando a se responsabilizar pelos próprios desejos, sem mais enxergá-los furtados pelo outro que causou ressentimento. A manutenção do ressentimento tem por consequência não enxergar suas incongruências. Isso impede o sujeito ressentido de ter sua consciência dividida, o que o deixaria atormentado por suas escolhas, pois para ele, não é sua escolha estar ocupando o lugar do ressentido, foi o outro quem o colocou lá. Aí se revela o que sustenta verdadeiramente o ressentido: a recusa que um sujeito faz em se responsabilizar pelo próprio desejo.
Relacionar-se não é sobre controlar as ações do outro, visto que elas nos escapam, mas sim nos responsabilizar pela posição que tomamos diante do outro. Pois o outro, por fazer o que quer, pode ser interpretado pelo ressentido como o que foi mau, o que foi injusto, causando em reflexo uma concepção de si como o que foi bom, o que foi injustiçado. O movimento necessário é se perguntar: "O que eu faço diante do que o outro faz comigo?". Há uma diferença entre apontar o erro que o outro cometeu e se responsabilizar pelas consequências que ficaram em si diante do que o outro fez. As consequências das relações não são como aquelas do "quebrou, pagou" que encontramos colados aos objetos nos estabelecimentos comerciais. Fica conosco a dívida do que em nós foi quebrado no atravessamento das relações. E é do espaço que incide das rachaduras que marcam nossa vida que surgem as transformações possíveis.
Tiago Castelo
Psicologia e Psicanálise (CRP 03/22168)
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