Postado por Ane Caroline Ramires de Souza em 12/05/2025 10:48
Na clínica psicanalítica, lidamos cotidianamente com o sofrimento humano. Angústias, perdas, conflitos, repetições inconscientes, fantasmas do passado — tudo isso emerge na transferência e se desenrola no espaço analítico. Ainda assim, esse trabalho com a dor não precisa, nem deve, ser sempre sombrio ou árido. Há um equívoco comum que associa profundidade à rigidez, como se tocar camadas inconscientes exigisse necessariamente um ambiente carregado, severo, quase punitivo. Mas a experiência clínica revela o contrário: a escuta sensível pode e deve conter leveza.
Freud já indicava que o humor é uma das formas mais sofisticadas do funcionamento psíquico. Em seu texto “O humor” (1927), o criador da psicanálise nos mostra que, diante de situações difíceis, o sujeito pode recorrer ao humor como forma de se posicionar subjetivamente, mantendo certa autonomia frente ao desprazer. O humor, nesse contexto, não é negação nem superficialidade, mas uma maneira criativa de dar conta da dor — de transformá-la em algo simbólico, compartilhável, elaborável.
Na prática clínica, o analista se depara com histórias marcadas por sofrimento, mas também por tentativas de sobrevivência, de invenção, de esperança. A escuta psicanalítica não se propõe a julgar nem corrigir, mas a sustentar um espaço onde o sujeito possa falar livremente. Essa liberdade de fala, no entanto, só é possível se houver acolhimento — e acolher é, muitas vezes, permitir que o outro respire.
A leveza na clínica não significa banalizar a dor, e sim saber reconhecer os momentos em que o riso, a brincadeira, a ironia ou o alívio podem operar como abertura psíquica. É uma leveza ética, responsável, que se constrói na relação transferencial. O humor, quando aparece, não é planejado pelo analista, mas emerge no encontro — e pode ser precioso.
A psicanálise se organiza a partir de um setting clínico estruturado, com regras, limites e uma moldura que sustenta a experiência analítica. No entanto, essa estrutura não precisa se confundir com severidade. ✨ O setting é sério, mas não precisa ser severo. Ele é construído para oferecer segurança psíquica ao analisando, não para impor um clima de tensão ou julgamento.
A criatividade do analista reside justamente na capacidade de manter o enquadre, sem engessá-lo. Saber reconhecer a singularidade de cada sujeito e de cada processo implica sensibilidade clínica. Há escutas que pedem mais contenção; outras, mais elasticidade. Há pacientes que só conseguem tocar em determinados conteúdos a partir da metáfora, do jogo de palavras, da associação inesperada — ou mesmo de um sorriso partilhado.
Winnicott, pediatra e psicanalista, nos oferece uma contribuição inestimável ao pensar a importância do brincar na constituição psíquica. Para ele,
“É na brincadeira, e somente na brincadeira, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e usar a personalidade integral.”
Essa afirmação é profundamente clínica. O brincar, aqui, não se restringe à infância, mas é entendido como um espaço potencial entre o interno e o externo, entre o que é vivido e o que pode ser simbolizado. É nesse espaço intermediário — que também se constitui no setting analítico — que o sujeito pode se experimentar de forma mais autêntica.
Brincar, então, não é fútil; é um gesto de saúde. É uma tentativa do sujeito de reorganizar sua experiência, de ensaiar possibilidades, de testar limites. Na clínica, permitir que o analisando encontre esse espaço lúdico, mesmo diante de temas difíceis, é parte do trabalho de escuta. O analista que sustenta o brincar oferece ao sujeito não só acolhimento, mas reconhecimento da sua capacidade criativa de existir.
Trabalhar com o sofrimento psíquico é, sim, uma tarefa delicada e profunda. Mas levar a sério a dor do outro também significa permitir que ele encontre seus próprios modos de enfrentamento. Às vezes, isso passa pela palavra dura, pela elaboração angustiada. Em outros momentos, passa por uma piada, um gesto afetuoso, uma memória que faz sorrir.
A escuta analítica, quando se abre à leveza, amplia o campo do possível. Ela reconhece que o psíquico é múltiplo, que o inconsciente não é apenas dor, mas também desejo, criatividade, vitalidade. Permitir que essas dimensões apareçam na análise é cuidar da subjetividade de forma integral.
A clínica psicanalítica é, por essência, um espaço de encontro. E, como todo encontro humano, é atravessado por afetos diversos. Não precisamos endurecer para tocar o sofrimento — pelo contrário, é na escuta viva, sensível e por vezes leve que o inconsciente pode se expressar com mais liberdade.
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Ane Caroline R. Souza
Psicóloga Clínica - CRP 06/169630