Postado por Gabriel Rocha em 15/05/2025 14:16
Você está em algum lugar aparentemente seguro. Está tudo bem, tudo em ordem. De repente, seu coração dispara. Uma vontade de chorar surge do nada. Suas mãos tremem, o ar parece não entrar nos pulmões. Você tenta entender o que está acontecendo, mas tudo o que quer é que aquela sensação vá embora. E quanto mais você tenta resistir, mais forte ela fica.
Você pensa: “Estou tendo um ataque do coração. Vou morrer.”
Corre para o médico, faz todos os exames, e… nada. Nenhuma alteração. O diagnóstico? Crise de ansiedade.
E aí vem a pergunta que costuma bagunçar a cabeça de muita gente:
Mas por quê?
Eu estava bem. Nada de errado aconteceu. Não estava preocupado, não estava ansioso... então por que isso aconteceu?
Na psicanálise, chamamos de sintoma quando algo em nós, geralmente de forma inconsciente, encontra uma maneira indireta de se expressar. É como se o inconsciente dissesse: “Já que você não quer me escutar, vou dar um jeito de aparecer.” E ele aparece — no corpo, nos sonhos, nos esquecimentos, nas repetições e, claro, nos sintomas físicos e emocionais.
Quando você sente algo que não entende, que não parece “ter motivo”, é provável que ali haja um conteúdo recalcado: memórias, desejos, medos ou sentimentos que foram empurrados para longe da consciência. Isso acontece porque, muitas vezes, a gente simplesmente não tem condições de lidar com tudo ao mesmo tempo. Recalcar é uma forma de proteção. Mas o que é recalcado não desaparece — só muda de forma.
Vamos imaginar o seguinte:
Você está no seu quarto e encontra um monstrinho pequeno, meio atrapalhado, talvez até meio engraçado. Você não sabe direito o que ele quer, como ele apareceu ou o que fazer com ele. E então, pra evitar a dor de cabeça, você o coloca dentro de uma caixa e empurra para debaixo da cama. “Pronto. Resolvido.” — você pensa.
Só que esse monstrinho vai crescendo.
E crescendo.
Fica irritado.
Começa a fazer barulho.
Bate na caixa.
Te impede de dormir.
No começo, era só um incômodo leve. Uma insônia aqui, uma irritação ali. Mas agora, ele tá te acordando no meio da noite. Tá te fazendo chorar no banheiro do trabalho. Tá te deixando com dor de cabeça todo domingo à noite. E por mais que você tente ignorar, o barulho só aumenta.
A essa altura, você já sabe: vai precisar abrir a caixa.
Vai precisar encarar esse monstro.
Vai precisar escutar o que ele tem a dizer.
É aqui que entra a escuta psicanalítica.
Freud dizia que “o sintoma é uma formação de compromisso entre o desejo e a defesa” (1926). Em outras palavras: o sintoma carrega um sentido, um significado escondido, que tenta se expressar apesar da resistência.
Em outro texto, ele afirma: “o sintoma é o retorno do recalcado” (1915). Aquilo que você não pôde sentir, nomear ou lidar naquele momento retorna — de forma disfarçada, simbólica, e geralmente dolorosa.
Na clínica psicanalítica, o trabalho do analista é te acompanhar na abertura dessa caixa. Ajudar você, no seu tempo e no seu modo, a olhar pra esse monstrinho. Talvez ele seja um medo antigo, uma perda que não foi elaborada, uma raiva que você nunca pôde sentir, ou uma angústia que ficou esquecida.
Muitas vezes, nossos sintomas são maneiras distorcidas de manter alguma coisa viva dentro de nós — mesmo que cause sofrimento. É como se o inconsciente dissesse: "Você não me ouviu quando eu sussurrei... então agora eu estou gritando."
E não, isso não significa que o sintoma é “culpa sua”. A psicanálise não trabalha com culpa, mas com responsabilidade subjetiva. O que ela propõe é um convite: escutar o que o seu corpo, seus afetos e seu inconsciente estão tentando te contar.
Talvez abrir essa caixa traga medo. Talvez você chore. Talvez se irrite. Talvez fique em silêncio. Tudo bem. O processo de análise é justamente esse: criar um espaço seguro onde essas partes esquecidas de você possam finalmente ser vistas e escutadas.
E, quem sabe, com o tempo, o monstrinho não precise mais gritar.
Talvez ele sente ao seu lado, mais calmo.
Talvez ele vá embora.
Ou talvez ele fique — mas de um jeito mais leve, transformado.
O que importa é que agora ele tem voz.
E você também :)