Erro

A pessoa que você é e a pessoa que você se tornou

Postado por Lucas Henrique Ferreira Alves em 08/08/2024 19:31


    Existe uma essência no ser humano? Existe uma essência em cada sujeito? O sujeito consegue mudar sua forma de ser e agir, isto é, tornar-se um outro? Essas discussões são bastante ricas e complexas. No senso comum, percebemos as duas possibilidades coexistindo. Imagina-se que existe um âmago em cada ser humano. Algo que o difere dos demais, uma ipseidade, uma forma de ser única que o distingue de todos os outros. Ao mesmo tempo, cada pessoa vivencia tantos processos em sua vida, passa por tantas mudanças, que é crível conceber que o sujeito tornou-se outro. 

    Talvez o que mais se aproxime, na psicologia, dessa discussão, sejam os conceitos: personalidade, temperamento e caráter. A personalidade de um sujeito diz respeito a características e padrões estáveis e relativamente imutáveis. Por exemplo: uma pessoa introvertida, sempre será introvertida. Ela jamais se tornará uma pessoa extrovertida, por mais sociável que possa vir a ser, pois a introversão é uma base, um fator de sua personalidade. Quando pensamentos em temperamento, dizemos sobre uma bagagem genética, inata, que parece surgir com o indivíduo. Isso se aproxima bastante das questões colocadas acima, pois essa base de comportamentos, ações e formas de ser, de um sujeito, está presente desde o nascimento e se mantém estável ao longo da vida. Essas tendências biológicas recebem o nome de temperamento. 

    Portanto, existe uma essência no ser humano? Existe uma essência em cada sujeito? Se pensarmos em essência como personalidade e temperamento, responderíamos que sim. Cada pessoa traz consigo um conjunto grandioso de formas de ser, algo que é determinista, até certo ponto. Mas não podemos excluir a influência do ambiente, das experiências de vida daquele ser. É aí que voltamos a terceira pergunta posta: o sujeito consegue mudar sua forma de ser e agir? Em termos. Voltemos ao exemplo da introversão: a pessoa introvertida, a partir de suas experiências de vida, das exigências culturais e sociais, pode tornar-se muito mais sociável do que ela foi em sua infância. Percebemos isso na maioria dos casos. Muitos professores, que tem que se colocar na frente de dezenas de alunos, eram os mais tímidos e introvertidos da turma. Modificaram sua conduta ao longo dos anos, desenvolveram habilidades e aptidões que pareciam não estar no seu escopo ou repertório. Entretanto, questionamos: eles se tornaram extrovertidos? Não. Eles apenas desenvolveram habilidades sociais, mas sua "essência" sempre estará calcada na introversão. 

    O caráter de um indivíduo diria respeito a isso, a parte mais mutável da personalidade. A parte que se modifica a partir das experiências vivenciadas. Quando dizemos, no senso comum, que uma pessoa tem caráter, estamos dizemos que aquela pessoa é correta, honesta, ética, moral, justa. Isso faz um certo sentido, pois o caráter diz respeito ao caminho que tomamos a partir dos traços de nossa personalidade. Uma pessoa pouco amável, pouco sociável, egoísta, que percebe em si mesma impulsos sádicos e hostis, pode aprender ao longo da vida a se tornar, por meio de seus gestos e atitudes, uma "pessoa de caráter". Pode sublimar todos seus impulsos hostis em prol do bem do outro ou da sociedade. Pode se tornar uma pessoa extraordinária. O caráter marca o caminho de uma pessoa no mundo. É formado a partir de suas experiências e escolhas. Torna-te quem tu és. 

    Na linguagem da psicanálise, os termos não se diferem tanto. Freud estruturava a personalidade em três componentes: Isso, Eu e Supereu. O Isso seria uma instância que busca constantemente a satisfação, desconsiderando a razão, lógica ou moralidade. São necessidades que buscam ser atendidas o mais rápido possível, envolvendo impulsos fisiológicos, sexuais e desejos inconscientes. Se não houvessem outras estruturas para balancear e limitar os impulsos do Isso, viveríamos uma vida desviante, amoral e não civilizada. Por isso existem o Eu e o Supereu. O Eu, está atendo ao mundo externo e às consequências do comportamento. Busca satisfazer as necessidades do Isso de maneira racional, estável e segura. O Supereu coloca ainda mais limites no Isso e no Eu. Ele exige que as soluções encontradas pelo Eu sejam morais e éticas. O Supereu age através do sentimento de culpa e da necessidade de punição. Ou seja, a pessoa se sente culpada quando sabe que fez algo mau. Freud trabalha, portanto, com uma personalidade mais dinâmica, em que o Eu está constantemente buscando satisfazer as necessidades do Isso, ao mesmo tempo que atende as exigências morais do Supereu. 

    Como mencionado, esse entendimento não anula o anterior. Cada ser humano é constituído de suas características inatas e inconscientes e está a todo instante lidando com isso. Construindo, a cada momento, o seu caráter. Rasas e desonestas são qualquer tentativa de reduzir ou simplificar uma pessoa em uma característica, em uma atitude, em um acontecimento, em um comportamento, em uma ação. Somos seres tão complexos, difíceis de definir. 

   

Lucas Henrique Ferreira Alves

CRP04/67750

Insta: psi_lucashfalves

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