Postado por Francisco Tiago Castelo Leitão da Silva em 25/11/2020 09:59
Dois não fazem Um,
Mas Um e Um pode fazer Dois.
Na mitologia grega, Hermes, deus da fertilidade, e Afrodite, deusa do amor, tiveram um filho chamado Hermafrodita, referido como aquele que se constitui como o resultado de dois sujeitos em um só: ele era homem e mulher ao mesmo tempo, vivendo de modo harmônico sua dualidade. Freud resgata o mito para ilustrar a fantasia que os amantes tem de se tornarem um só: depois de Hermafrodita separado em dois, aqueles que amam um outro, seja de que gênero for, buscam por uma união harmônica que poderia existir entre dois serem distintos. Daí então os dizeres tão comuns dos apaixonados: "você é minha outra metade da laranja", "você me completa", etc.
Acontece que para além de distinto um do outro, cada sujeito carrega seu ponto de singularidade. Os amantes, quando se apaixonam, parecem suspender o real dessa singularidade: o outro, num primeiro momento, parece ser mesmo "a outra metade da laranja". Só depois, em algum momento do convívio, as diferenças, os pontos de singularidade que determinam cada sujeito, vem a tona. Em algum momento, esse outro que eu amo em mim insiste em sem mostrar outro demais.
Cada casal, diante desse impasse, responde a seu próprio modo: criam acordos, abrem mão de algo aqui, adotam novos meios ali, abrem a relação, fecham a relação - não sem algum conflito. De fato, o amor pode ser o pai das maiores alegrias, mas certamente pode dar à luz novas e profundas dores. De tudo fazem para tentar dar conta do insuportável da não-paridade absoluta das relações.
E para isso também, tal como para toda e qualquer saída que os sujeitos arrumam para se haver com suas relações, não há uma resposta universal, senão singular. Lembrar que cada um dos componentes da relação - seja amorosa ou não - se faz conforme os seus próprios fatores, sua própria história, seus próprios sintomas, e que é com essa bagagem que cada um vai conseguir criar artifícios para responder aos impasses de suas parcerias amorosas.
Se quando há Dois deseja-se fazer Um, isso só é possível se Um dos Dois for encoberto, sumir na relação. A grande graça das relações se dá quando, com amor, Um e Um suportam fazer Dois. Acima, antes e apesar de tudo e preciso ter em si que se relacionar com o outro é se relacionar consigo mesmo.
Tiago Castelo (CRP 03/22168)
Psicologia e Psicanálise.
Tel: (71) 98841-5479