Erro

A dualidade em tudo que existe

Postado por Lucas Henrique Ferreira Alves em 18/01/2024 19:11



   
     Provavelmente você já ouviu falar no Yin-Yang. Trata-se uma noção filosófica e existencial muito propagada nos países do continente asiático, em especial a China. Simplificando essa ideia, podemos entender o Yin-Yang como a dualidade de tudo o que existe no universo. Uma dualidade indispensável para o funcionamento do cosmos. 
 
    A própria construção desse fundamento, se ancora em uma lei existencial básica: tudo o que existe pode ser visto a partir do seu oposto. Assim surgem as contradições clássicas que permeiam nossas vidas: o ódio e o amor, o claro e o escuro, o quente e o frio, o positivo e o negativo, o bem e o mal, o bom e ruim, o finito e o infinito, o maravilhoso e o terrível, entre muitos outros. 
 
    E é curioso pensar sobre como essas coisas se articulam tão bem e que, a depender do contexto, manifestam-se em diferentes polos. Por exemplo, no texto "A inexorável presença do imprevisível"(https://psilucashfalves.blogspot.com/2024/01/a-inexoravel-presenca-do-imprevisivel.html) citei alguns exemplos de como acontecimentos da vida são permeados por um inesperado. Citei o exemplo de duas senhoras de mais de 90 anos, saudáveis e felizes. Repletas de boas memórias e boas vibrações. Também mencionei, o polo oposto: seres que  morrem antes mesmo de nascer, pessoas que adoecem de forma inimaginável, padecem e finam. Como cada um desses avaliaria a experiência que teve neste lugar?
 
    É aí que surge a dualidade na forma de perceber e conceber a própria existência. Para essas senhoras mencionadas, assim como para um conjunto de pessoas que cruza sua jornada sem enormes percalços, viver é uma experiência maravilhosa. Para outras, que desde seus primeiros anos são acometidos por violências, doenças, abusos, sofrimentos intermináveis, a vida pode ser considera a pior coisa já criada. 
 
    E é intrigante como ambas as coisas podem coexistir. Enquanto espécie humana, há em nosso íntimo ambos os polos. Talvez o Yin-Yang da psicanálise seja a pulsão de vida e a pulsão de morte. A primeira, simplificadamente, sendo toda energia que impulsiona ao sujeito a criar, viver e se apegar ao que vive e, a segunda, um desejo interno do sujeito à aniquilação, desaparecimento, retornar ao inorgânico. Por mais que sejam opostos comuns dos seres humanos, uma ou outra irá sobressair a depender do contexto e história de vida do sujeito. 
 
    E quando pensamos na existência como um todo, na concepção dos sujeitos sobre essa experiência que temos neste lugar, podemos também trabalhar com uma série de oposições e dualidades para explicar através de palavras a nossa percepção sobre tudo o que nos rodeia. Talvez valha a pena pensar o que você acha do universo em si. O que você acha vida, da existência, da natureza. Certamente, você oscilará em uma linha que, em um polo, definirá toda essa experiência como algo maravilhoso e, em outro polo, como algo terrível. 
 
    O maravilhoso do universo começa com a própria vida em si. Quando paramos para pensar, a fundo, percebemos o quão improvável é a vida. Do nada, existimos. Abrimos nossos olhos, o ar entra em nossos pulmões, choramos. Nos alimentamos, crescemos, sorrimos. Vamos construindo, possibilitados pela máquina mais perfeita do universo - o cérebro - uma série de formas de entender tudo o que está a nossa volta. Nos maravilhamos com as sutilezas da natureza, sobre o quão perfeito parece ser a biologia, o funcionamento dos corpos, as teias alimentares, o ar que respiramos, a água que nos refresca, o brilho do sol, a exuberância da lua, o sorriso da pessoa que amamos. A vida é extremamente improvável, qualquer pequena alteração nos elementos que constituem nosso mundo tornaria a Terra inabitável. E estamos aqui. Entre trilhões de possibilidades, nós estamos aqui. Oportunidade única, que resulta em uma série de vivências. Nosso pensamento vai dando material para a realidade se apresentar a nós da maneira mais bela que ela poderia. Vivemos em um lugar maravilhoso. 
 
    Curioso como um lugar tão lindo pode ser também tão terrível. Vivemos em um universo que parece querer nos matar o tempo inteiro. Na natureza, um filhote de zebra está sendo devorado por uma leoa neste exato instante. Um cachorro de rua, abandonado pelos seus cuidadores, está com a pata ferida, com sua pele sendo devorada por larvas. Um porco é criado sua vida inteira em um cubículo para logo ser ceifado para alimentar uma outra espécie, dita superior. Essa outra espécie, provoca guerras contra si mesmo, matam inocentes das piores formas possíveis. Terrorismo, bioterrorismo, bombas, segregação, xenofobia, preconceitos, eugenismo. Já não bastasse o funcionamento "cruel" de toda natureza, também temos que adicionar nossos requintes de crueldade. Mas não para por aí. As próprias contingências da vida podem ser entendidas como horríveis. Uma criança de 7 anos desenvolve leucemia e morre. Por que ela desenvolveu leucemia? Foi culpa dela? Existia algo escrito por leis superiores que assim determinava? Essas respostas, ninguém sabe ao certo. O que se sabe é que o sofrimento é inevitável para alguns pessoas. Inevitável para qualquer ser, alguns sendo mais favorecidos e outros mais desfavorecidos pela presença do imprevisível. 
 
    O ser humano é única espécie que parece suportar pensar algo com tamanha grandeza. Raciocinar sobre o fato de que a vida é maravilhosa e terrível ao mesmo tempo. Posicionar-se diante dessa linha. Um animal ferido não sente pena de si mesmo, ele busca a todo instante sobreviver mesmo lidando com seu sofrimento. O ser humano, parece optar em alguns casos por deixar de existir, tendo em vista que não suporta a dor física, emocional e existencial quando ocorrem de maneira concomitante. Pode também resistir e suportar aquilo, buscando aproveitar, mesmo diante de todas as mazelas, cada segundo de sua experiência enquanto ser. Sendo a vida, uma experiência única e inexplicável, abraçamo-la muitas vezes com tudo o que temos, pois não queremos perde-la. O desejo de não perde-la, revela como, parte nós, sempre olha e agradece, mesmo que no seu mais profundo interior, a fascinante oportunidade de estar aqui.
 
    Em suma, entre pesos e fascínios, entre opostos e duais, cabe a nós refletir sobre o que estamos fazendo com nossas vidas e com a vida dos que estão ao nosso redor. Seria prudente e viável tornar a existência de todo e qualquer ser o mais tolerável possível, para que todos pudessem, da sua forma, contemplar as maravilhas deste universo. 
 
 
Lucas Henrique Ferreira Alves - CRP 04/67750
 
Instagram: @psi_lucashfalves
 
Blog: https://psilucashfalves.blogspot.com/





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